Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Os Imponderáveis da chama e a borboleta: como modificar o passado entregando nossas vidas a um bom pintor ou flores vermelhas para uma dançarina.

“A verdade não nos torna ricos porém, nos torna livres”... Afirma Will Durant na sua História da Filosofia.
Uma frase atrativa e perigosa como é para uma borboleta a chama de uma vela. Perigosa para uma borboleta que sonha ser filósofo ou para um filósofo que sonha ser borboleta. (Zhang-Zi século IV d. C.)

O risco da frase de Durant está nas três colunas em que se apoia: verdade, riqueza e liberdade. Cada uma destas idéias são linhas do nosso horizonte cultural cuja diabólica utilidade é obrigar-nos a errar eternamente.

Neste momento lembro-me do ano 1985, depois de uma profunda decepção ao não poder gravar um disco, me afastei completamente do piano por um período de dois anos.

Posteriormente, morando numa reserva indígena, uma noite escutei acordes de um piano numa música que tocava num radinho de pilhas. Foi como um “chamado” que acendeu um “mandato interno” ( Max Weber).

Descobrí que o som do piano formava parte das minhas “verdades internas”, thelos, princípios, são mais o menos a mesma coisa. Verdades internas mil vezes difíceis de identificar...

Assim entendi o lugar comum que se conhece entre os músicos e outros artistas... “abandonei o piano, porém, ele não me abandonou”.

“Tropeçamos como bêbados nas dobras da nossa auto consciência” diz Peter Berger quando compara nossa vida a uma grande tela que pintamos ao longo da existência sem que possamos, a maior parte do tempo, ficar distantes para observá-la. Com o passar dos anos esta pintura adquire maior clareza ou torna-se mais confusa.

Gertrude Stein não gostou do retrato que encomendou a Picasso porque não o achou parecido com ela. Picasso respondeu: “não se preocupe, com o passar dos anos ele irá, cada vez mais, se parecendo a você...”

Gostaría as vezes de encomendar a tela da minha vida a um bom pintor...algumas coisas podem ser terceirizadas. As vezes corremos o risco de encomendar a tela da nossas vidas a artistas amadores, daí a origem de numerosas frustrações.

Em Caracas, também no ano de 1985, sem perspectivas de emprego e sem dinheiro, comprei, com os últimos vinte contos que me restavam, flores vermelhas para uma dançarina com a qual não tinha futuro. Então fiz outra descoberta: gosto de vestir meu presente com digna impulsividade para poder me orgulhar dele quando virar passado.

Peço perdão aos meus distintos leitores pela confissão destas duas verdades intimas. Os acordes do piano e a digna impulsividade do presente.

Tzvetan Todorov fala sobre a “verdade adequação” e a “verdade desvendamento”. A primeira trabalha com o “tudo ou nada” a segunda com o “mais ou menos”.

Por exemplo: não posso negar que nasci na Venezuela, porém, posso modificar o significado que esta circunstância tem para mim.

Ainda bem que podemos mudar pelo menos nosso “passado / desvendamento”, aquele que pertence ao território das interpretações.

No final deste texto, a frase de Will Durant não mais se mostra ameaçadora. Se formos complacentes ou resignados, poderemos reconhecer nossas verdades internas, assim, estaremos, em parte, livres da angústia das escolhas juvenis.

Certamente, esta maneira de pensar é uma forma, tal vez ingênua, de imaginar que algo de permanente mora dentro de nós. Devo dizer para meus amigos amantes dos imponderáveis da vida flutuante que admiramos alguns seres criativos porque identificamos neles um âmago preservado.

Foi emocionantei ver, a semana passada, a Chick Korea na T.V, um pouco mais gordo e mais velho, improvisando no piano e desabrochando suas verdades internas que ha tantos anos nos influenciam.

Abraços do Eladio Oduber e Cinthia Oliveira

Conferir:

DURANT W. História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000.
TODOROV, Tzvetan. (1989) Fictions et vérites. L'Homme - Revue française d'Anthropologie, n° 111-112

Imagem: Gerturde Stein / Picasso - 1906

quarta-feira, novembro 23, 2005

Recifes de coral

Escrúpulos são um luxo para aqueles que mantêm seus desejos à frente da felicidade geral ou para aqueles que invejam com intensidade.

Existe, de fato, o lado prazeroso de viver acima das nossas posses, como também é delicioso “olhar demasiadamente para” os ganhos do nosso próximo - invidere.
Somente um bucaneiro não necessita acalmar-se interiormente nem sentir aflição ou crises de consciência quando estes sentimentos lhe acometem.
Poucos sabem o que dizem quando falam: “eu tenho princípios”. Princípios são pontos de partida, olhos d’agua, um lugar a partir do qual nossas ações começam.

Quais são os pontos de partida de um pirata? Piratas não conhecem pontos de partida porque não há repouso nas suas almas. A ética da impermanência os torna distantes de todo o que se move em terra firme. Suas verdadeiras motivações são ocultas para eles mesmos e, nem sequer, seus deuses as conhecem.

Piratas não se orgulham dos seus feitos porque tudo o transferem para as fortunas do mar. É difícil encontrar cavalos que carreguem armaduras tão leves como as dos piratas.
“Uma ação é correta desde que comparada a outra produza uma quantidade igual ou maior de felicidade a todos os que são por ela atingidos”. Gosto de este ponto de partida..

Que dirão os bucaneiros ao respeito? provavelmente eles pensam que ao pilhar aproximam suas vítimas da sabedoria porque retiram deles aquilo que os escraviza.
Um pirata é aquele que se acostumou a caminhar com pedras nas botas, produzir um aumento maior ou igual de felicidade é temerário. O índio Warao come larvas e é feliz.

Bucaneiros agem em causa própria e verificam a qualidade das suas ações pela quantidade de solidão que elas produzem. Piratas domesticaram seus scrupûlus: espetos que limitam nossas vidas. Eles são antigos donos dos aguilhões, de brincos, punhais, tatuagens e ganchos. Anônimos e líquidos confiam umas tarefas ao vento e outras à água. O ranger das vozes dos mastros são seus oráculos.

Eu tampo meus ouvidos e saio à procura das minhas liras e espadas. Agora te desafio a mostrar-me a carta de navegação do último amor que tirou tua tranqüilidade para sempre. Aquele que esvaziou os cofres e os toneis e te desviou para os recifes de coral.

Posso trocar os adjetivos da tua retórica pelos seus antônimos, assim ficará neutralizada e pálida, frágil e sem vida como aquela velha caveira que flameja medrosa no teu navio.

Eladio Oduber

Conferir: SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Imagem: www.sixwise.com

domingo, novembro 20, 2005

Logos, leghein, analektos: reunir, recolher, juntar

Aprendi com o filósofo italiano Remo Bodei que o contrário da beleza não é a feiura e sim a insignificância. Esta distinção é emocionante na medida em que abre possibilidades de entendimento quanto às nossas escolhas éticas que, como se sabe são, ao final, escolhas estéticas. Quando observamos as saídas éticas que povos diferentes do nosso dão aos seus conflitos, provavelmente, ficamos chocados, em primeiro lugar com os arranjos estéticos.

É o caso dos “mestres de lança” do povo Dinka que, chegada determinada idade, são enterrados vivos com o objetivo de não perder a chama viva que perpetua a cultura. Por trás da dicotomia belo X insignificante está o raciocínio do Platão: “amar coisas belas não é amar a beleza”.

A beleza na idéia de Remo Bodei seria então aquilo que atribui um sentido à existência, que nos mostra um caminho. Estou me referindo a experiência religiosa de admirar, por exemplo, uma escultura do Henry Moore? Parece que tudo faz sentido. A existência se justifica em se mesma. Em contraposição, aquilo que nos transmite um sentimento fragmentado ou imaturo pode não ter significados relevantes para nós. Evidentemente estas são experiências rigorosamente culturais .

Um exemplo: minha relação com a estética da nova ponte de Brasília tem sido muito ambígua. Num primeiro momento fiquei revoltado, achei que a ponte não combinava com Brasília. Depois fui aceitando-a, e até considerando certa beleza da sua arquitetura. Hoje sei que esta ponte entrou em cena de forma industriosa e materialista pisando no escrúpulo das proporções. Seus criadores não se abstiveram do prazer do adultério e quebraram a etiqueta da cidade.

A nova ponte é uma máquina torpe quando comparada com a ponte anterior concebida por Oscar Niemeyer. Esta sim, é uma dançarina translúcida que descansa e brinca.

São escolhas éticas, são escolhas estéticas...

A ponte nova é calvinista, diabólica, tecnológica, moralista e insignificante.

A ponte do Niemeyer é socrática, simbólica, artística, ética e bela.


Abraços a todos do Eladio e Cinthia

Para observar:

Ponte nova (Juscelino Kubitscheck):

http://www.geocities.com/TheTropics/3416/ponte_jk.htm http://www.geocities.com/TheTropics/3416/ponte2.jpg

Ponte do Niemeyer ( Costa e Silva);

http://www.geocities.com/TheTropics/3416/segunda_ponte.jpg www.brasiliense.hpg.ig.com.br/images/Ponte.jpg PS:

Nestas fotos, você pode achar a ponte nova mais bonita. Depois da primeira impressão pense na imortalidade da alma e reveja as fotos.

PS: Além de tudo, a ponte nova é egocéntrica, quando a atravessamos ficamos deslumbrados com ela mesma. Quando atravessamos a ponte do Niemeyer olhamos o Lago Paranoá.

Imagem: Warm up-Degas

quinta-feira, novembro 17, 2005

Exitium: missa da perdição


Os amigos do pintor impressionista Edouard Manet fizeram uma “vaca” para poder alugar um pedaço de parede no Louvre de Paris. O quadro do Manet que eles queriam expor foi este que vocês estão vendo do lado direito do texto. Se chama Olympia. Esta tela da cortesã nua e sua mucama negra escandalizou tanto ao público do Louvre, que na primeira mostra as pessoas cuspiram-na e apagaram guimbas de cigarro no quadro. Para poder permanecer no museu, Olympia teve que ser pendurada a dois metros do chão, longe da ira do público espectador.

Quinze séculos antes da Olympia ser vilipendiada, Carlos Magno conquistava saxões rebeldes e os fazia escolher entre o batismo e a execução imediata. Num descuido mandou decapitar quatro mil quinhentos numa manhã. O mesmo fez Constantino I passando pelo fio da espada três mil cristãos que adotaram a postura doutrinária “unitarista” de que, “embora Jesus fosse o filho de Deus, ele não era divino”. Não há salvação fora dos cânones mentais que dominam uma época. As populações européias ficaram séculos sendo treinadas dentro do radicalismo brutal.

E estas formas de agir vieram com eles no processo de colonização do novo mundo. Assim dizimaram toda a população indígena da ilha da Cuba e utilizaram cães ferozes na caça de índios em terra firme. O colonizador se leva muito a sério e sempre tomou partido pelas coisas que lhe interessam. Na década de 20 do século XX, a United Fruit Compani, apoiou o massacre de centenas de camponeses colombianos que faziam greve por melhores condições de trabalho. Nunca se soube quantos cadáveres foram retirados das plantações nos vagões de trem da empresa bananeira.

Quando nossa América alcançou uma fisionomia rural, já era tarde e tivemos que migrar para as cidades. A perniciosa oposição Rural – Urbano foi insuflada pela inteligentzia política e acadêmica local. Ficou vergonhoso ter uma vida agendada pelo sino da igreja, a existência em função da passagem das estações tinha que ser superada. Viramos homens e mulheres “genêricos” e podíamos vender nosso trabalho para qualquer patrão. Saimos do isolamento e ao mesmo tempo abortamos a possibilidade de realizar obras perfeitas. Assim como muitas das catedrais medievais que levaram 300 ou 400 anos para serem terminadas. Ou os dentes de marfim talhados durante gerações por famílias de artistas chineses. Os arquitetos ou escultores destas obras tinham um objetivo maior do que as próprias obras... nós aprendemos em todos estes séculos a glorificar pessoas e não realizações.

Sábado pela manhã, Cinthia e eu, nas Lojas Americanas, tentamos escolher um jogo de talheres que fossem bonitos e duráveis. Pela noite, o Jornal Nacional noticiou que a indústria do aço que fabrica talheres vai de vento em popa. Sociólogos e antropólogos também mergulham no fato social como pesados cadáveres.

Nas primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos, os cientistas sociais discutiam, sem que isto resultasse em nenhuma decapitação, se a pesquisa qualitativa era mais poderosa do que a quantitativa, e Ernest Dichter falava para Alfred Politz:” Mas, Alfred, 10 mil vezes nada é ainda nada”. A estátua de São Pedro no Vaticano tem os pês gastos pelos beijos e toques dos devotos.

Abraços do Eladio e Cinthia

Conferir:

MALHOTRA, Naresh K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. 3ed.Porto Alegre: Bookman, 2001.

MANCHESTER, W. Fogo sobre a terra: a mentalidade medieval e o renascimento. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

Imagem: E. Manet / Olympia

segunda-feira, novembro 14, 2005

Jazz e academicismo: porque dados de pesquisa são parentes dos Bárbaros e os Hunos.


Quando perguntaram a Michel Petrucciani se ele se considerava um pianista talentoso, ele respondeu: “Um pianista talentoso é aquele que estuda piano doze horas por dia e se levanta do piano sentindo que tocou somente uma hora. Eu estudo doze horas e fico arrasado sentindo que estudei doze horas mesmo”. Sempre se fala que o talento tem que ser medido em horas de transpiração; isto é verdade, porém, é também verdade que algumas pessoas já nascem com alguns “canais desentupidos”.
É o caso da minha amiga que possui um talento especial para ler e falar línguas. Há alguns anos, estávamos na biblioteca da Universidade de Brasília folhando alguns livros de arte e nos tropeçamos com a obra de Cornélio Baba, um pintor romeno do início do século XX. O livro tinha belas reproduções da suas pinturas e ao lado dos quadros textos explicativos em romeno, língua hermética e distante. Quando terminei de olhar as pinturas minha amiga pegou o livro e começou a ler alguns trechos dos textos em voz baixa, eu arregalei os olhos e lhe perguntei se ela conhecia aquele idioma. Ela me respondeu que não, mas, me disse que olhando com cuidado podiam-se observar muitas palavras em latim que davam sentido ao texto; “por exemplo: olha aqui...’natureza estática’ ... E terminou com um comentário fulminante “você desiste muito rápido”.
Aquela cena mudou para sempre minha forma de olhar as palavras e o mundo... O que chamamos “talentos” são, as vezes, certos tipos de coragens ou cuidados que as pessoas têm em determinadas situações, ou, da mesma forma, inclinações neuróticas para executar certas tarefas. Como por exemplo a mania que Ducke Ellington tinha de compor músicas enquanto esperava suas esposas se arrumarem para sair... O talento é um tipo de fanatismo que “imbui de um caráter crônico o fluxo de uma atividade”, aumentando a probabilidade de essa atividade ser exercida. Entretanto, o talento pode emergir na situação da “última palha que quebra o lombo do burro”. Exemplo: aquele jovem descobriu seus talentos para a filosofia depois que a bela dama que amava o abandonou por um pretendente mais rico...
O talento pode originar-se de um “doce senso de realização que provém de exibir habilidades comuns” que acalmam o psiquismo dos nossos pares.
Na academia, alguns indivíduos são tidos como talentosos porque se dedicam a repetir com muita pompa as idéias dos grandes mestres.
O talento para a ciência, especialmente para a pesquisa, está na capacidade de domesticar as evidências ou dados que chegam até nós relinchando, soprando pelas narinas, arrancando chispas de fogo e levantando poeira. Estes dados-bárbaros-hunos quando amansados, disciplinam posteriormente a teoria como nos ensinou nosso ancestral Charles Wright Mills. Este processo nos coloca, humildemente, no caminho de saída deste labirinto em que nos metemos faz tempo.
Abraços do Eladio e Cinthia

PS: A amiga que conseguiu ler os textos em romeno é minha mulher Cinthia Oliveira, não falei naquela hora para que não ficasse demasiado entre familia.


PS: A estorinha de Michel Petrucciani quem me contou foi meu amigo Antonio Carlos Bigonha.


Conferir:
GEERTZ. Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.

Imagem: Marsha-Hammel:Piano

sexta-feira, novembro 11, 2005

O fígado do Prometeu tinha um gosto amargo




“Sou condenado a ser livre” ou sou condenado a ter saudades de ser livre? Há quem diga que a infância não é uma fase de liberdade e sim de profunda repressão. Contrariando de alguma forma à psicanálise que situa o apogeu do princípio do prazer na idade tenra. Uma coisa parece certa: a infância é uma idade da empolgação com coisas que depois perdem a importância. Nunca esquecerei do rosto enebriado da Ana Cecília olhando para o saquinho de balas. Quero viver e morrer com essa imagem.
Então, a realidade não é aquilo que desejamos? “Meu coração tem catedrais imensas” é uma frase que comunica os restos de irrealidade que permanecem dentro de nós. Esta pode ser a origem do impulso que nos impele a querer nos sentirmos criativos. Assistir a filmes, dirigir em alta velocidade, dormir, mascar chiclete, fazer sexo, segundo alguns psicólogos, são sinais de volta a esse estado de criatividade original.
Então, além da arte, o que pode nos salvar? Quem sabe adquirir uma boa dose de senso de irrealidade seja uma saída.
Qual foi o momento mais feliz da suas vidas? pergunto aos meus alunos. Dificilmente eles falam do trabalho ou da escola. Bertrand Russell dizia que somente quem manda gosta de trabalhar ...na minha opinião, isso vale para a escola também.
Por isto, as programações de TV estão voltadas para situações que desejamos profundamente: apaixonar-nos, viajar a lugares remotos próximos à natureza; em suma, situações que retiram o peso das imposições urbanas. Aceitamos com tal resignação os objetivos da cidade que comemoramos os paliativos da nossa própria escravidão.
Exemplo: ficamos felizes porque o celular existe para assim poder saber onde estão nossos filhos. É uma felicidade perniciosa esta. Deveríamos um dia comemorar o fim da insegurança nas cidades e não precisar mais de celulares. Nossa criatividade é canalizada para a esfera do consumo. Afogamos a saudade de sermos criativos adquirindo bens a partir de 1,99...
Os criminosos, os infratores querem experimentar as mesmas sensações. Eles roubam nossos carros, nossos relógios porque, da mesma forma, aceitaram os objetivos da vida em cidade.
Nossa revolta com o crime não somente decorre da violência a que somos submetidos. Ficamos irados pela lembrança de termos investido horas de desprazer para adquirir tais objetos. No fundo sentimos também inveja da rapidez com que o ladrão realiza seus “sonhos”. O crime faz com que o criminoso se sinta vivo, criativo, auto-inebriado. É o mesmo ópio que tomou conta da alma de Prometeu que roubando o fogo experimentou os deliciosos imperativos da criatividade. Os desejos quando acorrentados exalam humores pútridos, nossas cavidades se enchem de pestilência. O fígado de Prometeu não foi um prato apetitoso nem para a ave de rapina.
O que você prefere de presente de aniversário um poema ou um home teather ?


Beijos do Eladio e Cinthia

Conferir: CAROTENUTO, Aldo. "Sonho e Realidade" in:

De MASI, Domenico, PEPE Dunia, As palavras no tempo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
Imagem: www.ufrgs.br

Este texto é dedicado com muito carinho a minha amiga Liss Mary Fraga

segunda-feira, novembro 07, 2005

Ausência de paixão no Gótico e no Românico

Eladio querido, es tarde en la madrugada. Leyendo un libro de Michael Oondatje, "El fantasma de Anil", encontré algo que me hizo levantar de la cama y venir a hacerte un comentario acerca de tu nuevo artículo sobre las metáforas. Unos monjes srilankeses habían muerto hacía varios años y los protagonistas de la novela andaban caminando por las ruinas del monasterio, rodeado de un bosque muy tupido.

Uno de ellos dice que "Los que no pueden amar construyen sitios como éste.Tienen que estar por encima de la pasión". Y pensé en las iglesias del medioevo español, las góticas y las románicas, y en la falta de amor que hizo posible la construcción de esos templos. Nadie dedicado a amar puede desviar tanto la atención a darle formas tan trabajosas a las piedras. El que ama intensamente (ya sea que goce o sufre por ello) no parece llevar una vida más leve, menos necesitada de esos despliegues? Yo personalmente me siento en estos tiempos, muy lejos de construir templos.

Mas adelante en el mismo libro el autor apunta que "Los reyes y poderosos desean todo aquello que los obliga a poner los pies sobre la tierra.Honor histórico, una propiedad perfectamente delimitada, sus verdades más seguras"

Federico Percibal

Imagem: Lorenzo D'Alessandro ( 1445-1501)

sábado, novembro 05, 2005

O paraguaizinho das metáforas e algumas pornografias adjacentes


“O braço de esta mulher está muito cumprido” comentou um marchand na presença de Matisse. O pintor respondeu: “isto não é uma mulher, é uma pintura...”. O professor Eurico Cursino dos Santos nas nossas aulas de Teorias Sociológicas citando a Jorge Luis Borges contou a história de um rei que encomenda a seus cartógrafos um mapa bem preciso do reino. Os cartógrafos trouxeram uma, duas, três versões que foram rejeitadas pelo monarca porque, segundo ele, faltavam, nos mapas, inúmeros detalhes como árvores, casas, pedras, etc. A certa altura os cartógrafos perguntaram-lhe porque insistia em ter um mapa tão detalhado do reino? porque não ficava com o reino “real”?

É confortável saber que a falta de habilidade para lidar com as metáforas independe da época e das profissões. Gosto de chamar esta atitude de cretinismo metafórico ou “visão pornográfica do mundo”. Garcia Marques numa oportunidade comentou que seu desgosto com os filmes pornô era produto da impossibilidade de encontrar neles alguma metáfora. As coisas obvias são pornográficas porque estão atreladas à sua própria etimologia: são violentamente visíveis.

A hegemonia da visão pornográfica sobre o mundo é cíclica, podemos encontrar um dos seus registros mas antigos em Aristóteles e seu interesse em resgatar os sentidos como garantia de conhecimento do mundo. (Neste ponto, o filósofo “bucaneiro” poderia me acudir) Somente consigo ver a próxima conquista da pornografia intelectual nos pensamentos de Francis Bacon e Martin Luthero. No século XVI, mais precisamente no ano de 1529 João Ecolampadius e Martin Luthero debateram durante dois longos dias se o corpo de Cristo estava efetivamente presente ou não numa coisa material como o pão. O argumento de Lutero foi: “se está escrito ‘este é meu corpo’ então é porque o pão é mesmo o corpo de Deus.

O filósofo anônimo do palácio do Itamarati diria : “quando o animal é de raça respeite-lhe o coice” O ethos pornográfico fez sua aparição na frase de Benjamin Franklin “tempo é dinheiro” resumindo a maneira como os homens (não as mulheres) se organizaram para viver no chamado mundo moderno. Logo se seguiram as guerras mundiais, pornografias trágicas de um mundo que tinha perdido o sentido. Estas guerras trouxeram consigo a disseminação da ética pornográfica e utilitarista centrada no indivíduo racionalista e “maximizador” dos seus interesses.

Quando pensamos em pesquisa, vemos que a pornografia adquiriu sua hegemonia na Escola de Chicago a partir dos anos 30 quando os quantitativistas tomaram o poder da sociologia qualitativa que reinava desde o século XIX. Se observamos os manuais de pesquisa aplicada podemos conferir que a pesquisa qualitativa tem sempre o status de pesquisa “exploratória”, e tem como principal objetivo prestar subsídios aos levantamentos quantitativos, estes são denominados “conclusivos”... isto é, estudos que dão a palavra final. Não se trata de exumar o cadáver da polêmica quali. X quanti. estas reflexões são para lembrar aos nossos alunos o ciclo metafórico – pornográfico da história do conhecimento.

Num desses dias uma amiga me confessou que seu primeiro matrimonio naufragou uma tarde em que, emocionada, olhando um pôr de sol seu marido lhe comentou que achava tudo aquilo muito normal... A “objetividade” da nossa época delata a impotência de imaginar um mundo diferente daquele que estamos acostumados a ver e viver. A pornografia nos seduz a “lustrar com orgulho nossas próprias correntes ”

Os espíritos pornográficos se esquecem que o mundo objetivo em algum momento já fez parte da esfera dos sonhos. Os desejos de conquistar “coisas materializadas” , casas, carros, lap-tops e melhores salários não são rigorosamente sonhos. Estes são um tipo específico de fome ou saudades de um “cosmos” por outros construído, a maioria das vezes muito antes de que chegássemos a este mundo. Em quanto a pornografia é a saudade do que está materializado os sonhos são a metáfora da existência.

Bom sono e bons sonhos.

Eladio Oduber e Cinthia Oliveira.

Conferir:

COULON, Alain. A escola de Chicago. São Paulo: Papirus, 1995.

Imagem: Matisse / Madame

quarta-feira, novembro 02, 2005

O pensador das três pernas: uma reflexão sobre a utilidade de fazer pão e a dificuldade de reserva de mercado no coração humano.


Quando as “mulheres” da minha família brasileira diziam que minha filha de alguns messes de idade pensava ou desejava isto ou aquilo, eu, silenciosamente, as acusava de excesso de subjetividade. Os anos confirmaram e não confirmaram esta hipótese. Na nossa cultura são, principalmente, as mulheres as encarregadas de construir e desabrochar o mundo subjetivo das crianças a partir do exercício constante da comunicação. Se nos apegamos a uma visão durkheimiana, esta comunicação, pode ser pensada como a exteriorização ou materialização de desejos internos.

Ao que parece, os homens e mulheres de culturas exóticas ou de séculos esquecidos, exteriorizavam estes desejos de formas diferentes... talvez os próprios desejos fossem outros.
Existe no lugar comum da história do surgimento da filosofia o chamado triunfo do logos sobre o mythos. Dificilmente entenderemos que tipo de subjetividade ou religiosidade cultivavam Sócrates ou os physicoi da antiga Grécia. Acredito que, nestes aspectos, exista uma semelhança entre Sócrates e quaisquer intelectual genuinamente brasileiro (a) que tem um pé na academia outro na magia e um terceiro pé na orgia.

A interpretação que os historiadores da filosofia fizeram deste triunfo do logos sobre o mythos nos deixa um sentimento atávico de incomplitude. Os mitos passaram a ser vistos como enganos em quanto que o raciocínio lógico ou ético passava a ser a face verdadeira do mundo.
Muito depois a antropologia e a psicologia se encarregaram de "remitologizar", pelo menos, certas esferas acadêmicas utilizando o seguinte raciocínio: É dificil saber a origem dos mitos, difícil porém é saber a origem da necessidade deles.

Na vida prática, os encanadores resolvem os problemas das tubulações, os mecânicos consertam os motores, os técnicos reparam as caixas pretas da modernidade; dvds, computadores e TVs etc. E os problemas da alma os deixamos para os pastores, padres, profetas, conselheiros, psicólogos e mais raramente aos filósofos.

Os assuntos objetivos da nossa cultura tem suas profissões mais o menos bem identificadas. Nos assuntos subjetivos os peritos das almas se entredevoram de forma cega e desleal. É difícil a reserva de mercado no coração humano.
Em 15 anos de Brasília assisti psicólogos virando gestores de políticas públicas e videntes construírem casas luxuosas na avenida W3. A forma como o mercado lida com a expressão externa dos nossos desejos é versátil e irritante. É muito complexo o caminho que se tem de percorrer para obrigar os pensamentos a abdicarem da sua independência (paráfrase do Briton, etólogo)

Nossas falas, escritas e gestos são subjetividades domesticadas assim como rios canalizados para mover as engrenagens das azenhas. Colocamos nossos pensamentos nos moldes dos símbolos ou dos mitos. Perdão, não nos enganemos. Ao identificar os pensamentos já colocamos rédeas neles. Subjetividade é aquilo que nem sequer pensamos.
Êta!! farra dos fatos sociais com o inconsciente coletivo. Maiakovsky quis sair dela pela única fresta conhecida... “quando vejo uma criança morrer, me dá vontade de devolver o bilhete de entrada para o universo” (até isso virou lugar comum). Meus amigos... prefiro fazer pão.

beijos do Eladio e Cinthia.

Conferir: Qualquer livro de introdução à filosofia e qualquer livro de psicologia culturalista.

PS: Queiro denunciar publicamente a presença neste blog do Leoh "o bucaneiro", que, assim como a morte, faz muitos dias cheira meus calcanhâs ... últimamente só escrevo para livrar-me dele, é um inferno. Confiram seus comentários, tirem as suas conclusões. Eladio