Jazz e academicismo: porque dados de pesquisa são parentes dos Bárbaros e os Hunos.
Quando perguntaram a Michel Petrucciani se ele se considerava um pianista talentoso, ele respondeu: “Um pianista talentoso é aquele que estuda piano doze horas por dia e se levanta do piano sentindo que tocou somente uma hora. Eu estudo doze horas e fico arrasado sentindo que estudei doze horas mesmo”. Sempre se fala que o talento tem que ser medido em horas de transpiração; isto é verdade, porém, é também verdade que algumas pessoas já nascem com alguns “canais desentupidos”.
É o caso da minha amiga que possui um talento especial para ler e falar línguas. Há alguns anos, estávamos na biblioteca da Universidade de Brasília folhando alguns livros de arte e nos tropeçamos com a obra de Cornélio Baba, um pintor romeno do início do século XX. O livro tinha belas reproduções da suas pinturas e ao lado dos quadros textos explicativos em romeno, língua hermética e distante. Quando terminei de olhar as pinturas minha amiga pegou o livro e começou a ler alguns trechos dos textos em voz baixa, eu arregalei os olhos e lhe perguntei se ela conhecia aquele idioma. Ela me respondeu que não, mas, me disse que olhando com cuidado podiam-se observar muitas palavras em latim que davam sentido ao texto; “por exemplo: olha aqui...’natureza estática’ ... E terminou com um comentário fulminante “você desiste muito rápido”.
Aquela cena mudou para sempre minha forma de olhar as palavras e o mundo... O que chamamos “talentos” são, as vezes, certos tipos de coragens ou cuidados que as pessoas têm em determinadas situações, ou, da mesma forma, inclinações neuróticas para executar certas tarefas. Como por exemplo a mania que Ducke Ellington tinha de compor músicas enquanto esperava suas esposas se arrumarem para sair... O talento é um tipo de fanatismo que “imbui de um caráter crônico o fluxo de uma atividade”, aumentando a probabilidade de essa atividade ser exercida. Entretanto, o talento pode emergir na situação da “última palha que quebra o lombo do burro”. Exemplo: aquele jovem descobriu seus talentos para a filosofia depois que a bela dama que amava o abandonou por um pretendente mais rico...
O talento pode originar-se de um “doce senso de realização que provém de exibir habilidades comuns” que acalmam o psiquismo dos nossos pares.
Na academia, alguns indivíduos são tidos como talentosos porque se dedicam a repetir com muita pompa as idéias dos grandes mestres. O talento para a ciência, especialmente para a pesquisa, está na capacidade de domesticar as evidências ou dados que chegam até nós relinchando, soprando pelas narinas, arrancando chispas de fogo e levantando poeira. Estes dados-bárbaros-hunos quando amansados, disciplinam posteriormente a teoria como nos ensinou nosso ancestral Charles Wright Mills. Este processo nos coloca, humildemente, no caminho de saída deste labirinto em que nos metemos faz tempo.
Abraços do Eladio e Cinthia
PS: A amiga que conseguiu ler os textos em romeno é minha mulher Cinthia Oliveira, não falei naquela hora para que não ficasse demasiado entre familia.
PS: A estorinha de Michel Petrucciani quem me contou foi meu amigo Antonio Carlos Bigonha.
Conferir: GEERTZ. Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
Imagem: Marsha-Hammel:Piano
É o caso da minha amiga que possui um talento especial para ler e falar línguas. Há alguns anos, estávamos na biblioteca da Universidade de Brasília folhando alguns livros de arte e nos tropeçamos com a obra de Cornélio Baba, um pintor romeno do início do século XX. O livro tinha belas reproduções da suas pinturas e ao lado dos quadros textos explicativos em romeno, língua hermética e distante. Quando terminei de olhar as pinturas minha amiga pegou o livro e começou a ler alguns trechos dos textos em voz baixa, eu arregalei os olhos e lhe perguntei se ela conhecia aquele idioma. Ela me respondeu que não, mas, me disse que olhando com cuidado podiam-se observar muitas palavras em latim que davam sentido ao texto; “por exemplo: olha aqui...’natureza estática’ ... E terminou com um comentário fulminante “você desiste muito rápido”.
Aquela cena mudou para sempre minha forma de olhar as palavras e o mundo... O que chamamos “talentos” são, as vezes, certos tipos de coragens ou cuidados que as pessoas têm em determinadas situações, ou, da mesma forma, inclinações neuróticas para executar certas tarefas. Como por exemplo a mania que Ducke Ellington tinha de compor músicas enquanto esperava suas esposas se arrumarem para sair... O talento é um tipo de fanatismo que “imbui de um caráter crônico o fluxo de uma atividade”, aumentando a probabilidade de essa atividade ser exercida. Entretanto, o talento pode emergir na situação da “última palha que quebra o lombo do burro”. Exemplo: aquele jovem descobriu seus talentos para a filosofia depois que a bela dama que amava o abandonou por um pretendente mais rico...
O talento pode originar-se de um “doce senso de realização que provém de exibir habilidades comuns” que acalmam o psiquismo dos nossos pares.
Na academia, alguns indivíduos são tidos como talentosos porque se dedicam a repetir com muita pompa as idéias dos grandes mestres. O talento para a ciência, especialmente para a pesquisa, está na capacidade de domesticar as evidências ou dados que chegam até nós relinchando, soprando pelas narinas, arrancando chispas de fogo e levantando poeira. Estes dados-bárbaros-hunos quando amansados, disciplinam posteriormente a teoria como nos ensinou nosso ancestral Charles Wright Mills. Este processo nos coloca, humildemente, no caminho de saída deste labirinto em que nos metemos faz tempo.
Abraços do Eladio e Cinthia
PS: A amiga que conseguiu ler os textos em romeno é minha mulher Cinthia Oliveira, não falei naquela hora para que não ficasse demasiado entre familia.
PS: A estorinha de Michel Petrucciani quem me contou foi meu amigo Antonio Carlos Bigonha.
Conferir: GEERTZ. Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
Imagem: Marsha-Hammel:Piano
2 Comments:
Eladio,
essa questão do talento é muito interessante, percebo da seguinte maneira, todos nós somos capazes de tudo, apenas não valorizamos os nossos potenciais.
Comigo acontecia dessa forma, foi preciso muita terapia para eu me concientizar das minhas capacdades.
Confesso que sigo uma linha mais pela obstinação do que talento propriamente dito.
Passei muito tempo longe dos estudos, apenas me dedicando a casa e os filhos. Viajei muito, morei em diversos paises, aprendi vários idiomas e conheci outros tipos de cultura, mas naquela época nada disso era valorizado.
Hoje percebo claramente que essa bagagem de experiencia de vida me deu muita coragem para enfrentar e ver o mundo de outra forma e de um certa maneira abriu todos os canais adormecidos de minhas capacidades.
Agora sou capaz de fazer qualquer coisa, não tenho medo de nada e como disse a sua amiga, não devemos decistir facilmente das coisas, é uma questão de frações de segundos e parece que tudo fica claro. E a gente se pega dizendo, "mas era só isso?
Você, como meu professor, durante um periodo, não tem a ideia de como as suas aulas me fiseram sentir que, ainda podia raciocinar e pensar, para mim foi uma volta acadêmica dificil, nos primeiros dias me sentia totalmente "out", era como que o meu cérebro tivesse parado de funcionar.
O seu talento de colocar a gente pensar, para mim foi um grande estimulo e você foi a minha fonte de inspiração, para o conhecimento, para pesqusar.
Quando leio os seus artigos, percebo claramete a forma como você ve o mundo e além de apenas tranmitir o conhecimento o que mais me fascina é o talento que você tem de escrever e ao mesmo tempo tranmitir os seus sentimentos.
Eternamente agradecida por me ajudar nos meus 'primeiros passos."
Beijos
Liss Mary
Obrigado Eladio por tu articulo.
Quando tocaba, Petrucciani parecía nao estar feito para aquilo mesmo: o corpo dele parescia sofrer pelo esforço , a lingua fora da bouca, suando como um cavalo.
Esse talento deve ter sido desenvolvido mediante uma obstinaçao incrível, mais imagino a sensaçao de aquele homem quando começou a ver a emoçao e admiraçao que sua musica provocaba.
Será que os artistas somos todos assim de carentes? Subir ao scenário e mostrar para tudo mundo o fruto de esse esforço, em procura da emoçao e admiraçao. Nunca fiquei tranquilo com isso, mais tambén pensei na mirada agraceçida com que eu olhei meus musicos favoritos. Sin mácula.
Se lembra de Airto Moreira cheio de sangue batendo nos platos Zildjian?
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