Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

LEITURAS PARA CONHECER O BRASIL: Proposta de evento. Por: Cinthia Oliveira e Eladio Oduber

I. VISÃO GERAL DO PROJETO

Em 30 de setembro do ano 2000, na edição 41 da revista Teoria e Debate foi publicado um artigo assinado pelo pensador brasileiro Antônio Cândido. O artigo respondia a um “desafio” que lhe fora feito: recomendar 10 livros que pudessem servir de “bússolas” para o entendimento da história social do Brasil.     
 A pesar de um inicial “contragosto” pelo limite do número de livros imposto, o mestre Antônio Cândido aceitou o desafio e recomendou quatorze livros para driblar o risco da simplificação como ele mesmo deu a entender no artigo.
Antônio Cândido organizou uma bibliografia, chamada por ele “básica”, atendendo aos seguintes critérios históricos ou sócio-políticos:

1.    Os europeus que fundaram o Brasil;
2.    Os povos que encontraram aqui;
3.    Os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho;
4.    O tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação;
5.    A natureza da independência que nos separou da metrópole;
6.    O funcionamento do regime estabelecido pela independência; 
7.    O isolamento de muitas populações, geralmente mestiças;
8.    O funcionamento da oligarquia republicana;
9.    A natureza da burguesia que domina o país.

Desta forma elencou uma cronologia de quatorze livros que para o autor são apenas introdutórios no entendimento da construção sócio-histórica do Brasil.


1.     O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro;
2.     Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda;
3.    História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha;
4.    O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco;
5.    Ser escravo no Brasil (1982), Kátia de Queirós Mattoso;
6.     A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes;
7.     Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre;
8.    Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior;
9.    D. João VI no Brasil (1909) e O movimento da Independência (1922) Oliveira Lima;
10.  A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim;
11. Do Império à República (1972), de Sérgio Buarque de Holanda;
12. Os sertões (1902), Euclides da Cunha;
13. Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal;
14. A revolução burguesa no Brasil (1974), Florestan Fernandes.

A proposta aqui apresentada sugere a realização de um evento colaborativo que consiste na leitura e conversação sobre a bibliografia apresentada pelo escritor Antônio Cândido. Tal evento pretende ser desenvolvido ao longo do ano 2015, organizado pela Antropóloga Msc. Chintia M. R. Oliveira (coordenadora do Departamento de Museologia Social do Instituto Brasileiro de Museos –IBRAM) e pelo professor Doutor Eladio A. Oduber, sociólogo (professor das cátedras de Sociologia e Pesquisa Aplicada no Centro Universitário Instituto de Educação de Brasília – IESB)

II. O EVENTO: ABORDAGEM, ESTILO E APRESENTAÇÃO:

Serão escolhidos apenas dez títulos dos sugeridos pelo autor a serem lidos durante o período que vai de março a dezembro de 2015.
Os encontros para resenha crítica e conversação sobre os textos serão realizados no auditório do IBRAM – Setor Bancário Norte Brasília- DF toda última quinta feira de cada mês.
No total, serão organizados dez encontros de aproximadamente duas horas e meia cada um. A média de páginas de cada livro sugerido é de 300 pp. O que poderá exigir uma leitura de dez páginas por dia para o participante que pretenda conhecer o material a ser discutido na sua totalidade.
Ao final de 2015 teremos feito aproximadamente vinte e três horas de conversação sobre a história social do Brasil. Isto sem contabilizar o tempo de leitura individual de cada texto que deve girar em torno de dez horas-livro por mês (20 minutos diários; dez páginas por dia, 600 minutos-mês, 10 horas-mês, aprox.)  


           
A discussão dos textos em cada encontro será organizada da seguinte forma:
            Haverá uma mesa formada por três convidados em que um deles será o resenhista do texto e os outros dois comentaristas da leitura.
            A exposição, que poderá ser uma resenha crítica, deverá ser realizada em vinte minutos. Seguidamente, os comentaristas da mesa terão cada um dez minutos para considerações. Depois destas três falas, que somam 40 minutos, será aberto o debate para os participantes que poderão ser inscritos, se necessário for. 
            O encontro pretende ser encerrado no Museu Nacional de Brasília no mês de dezembro de 2015 com uma exposição virtual ou física de objetos que, em parceria com vários museus do Brasil, possam ilustrar e complementar didaticamente as discussões desenvolvidas durante os encontros.
            A cada encontro o resenhista e comentaristas serão convidados a gravarem em meio áudio-visual uma síntese de quatro minutos sobre os aspectos mais marcantes da leitura e discussão para serem veiculados, sem edição e quase que em tempo real, nas redes sociais ou canais virtuais como Youtube.
             No final do evento poderá ser realizada uma confraternização com música instrumental organizada pelos próprios participantes em local a ser escolhido.

III. PARA OS POTENCIAS PARTICIPANTES:

O evento proposto está dirigido para estudantes, professores, pesquisadores e profissionais de qualquer área que possuam interesse em conversar sobre a temática proposta.
            A participação é completamente livre e não possui custo algum. Os potenciais participantes podem trazer convidados e eventualmente sugerir comentaristas e resenhistas para comporem as mesas de trabalho.
            Sendo o evento uma iniciativa totalmente voluntária por parte dos organizadores e participantes, em princípio não contará com a presença de acadêmicos, nomes reconhecidos ou especialistas renomados nas áreas a serem discutidas. Por tanto, as conversações podem ser consideradas encontros exploratórios e de familiarização com os temas tratados, organizado e conduzido apenas por amantes da leitura crítica sobre a formação social e histórica do Brasil.
           

IV.          INFORMAÇÃO BILIOGRÁFICA

A bibliografia recomendada pelo professor Antônio Cândido encontra-se em boa parte em quase todas as bibliotecas de Brasília, ou sebos virtuais ou da cidade. Também pode ser encontrada em sites da internet para download.
Poderá ser de grande utilidade a comunicação entre os interessados para troca de textos e digitalização ou cópia dos livros de difícil acesso.
O artigo completo sobre as justificativas das escolhas dos textos e outras considerações feitas pelo professor Antônio Cândido pode ser encontrado no seguinte endereço:
Alguns títulos originalmente recomendados pelo autor poderão ser substituídos dada a dificuldade da obtenção ou da pertinência do tema abordado.

V.           CRONOGRAMA DOS ENCONTROS (Preliminar, sujeito a modificações)

1º encontro: 26/03/2015 - O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro;
2º encontro: 30/04/2015 - Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda;
3º encontro: 28/05/2015 - História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha; (livro com dificuldades de ser encontrado, podendo ser substituído)
4º encontro: 25/06/2015 - O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco
     5º encontro: 30/07/2015 - Os sertões (1902), Euclides da Cunha;
6º encontro: 27/08/2015 - Ser escravo no Brasil (1982), Kátia de Queirós Mattoso; ou A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart
7º encontro: 24/09/2015 - Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre;
8º encontro: 29/10/2015 - Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior;
9º encontro: 26/11/2015 - A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim;
10º encontro e fechamento: 17/12/2015 – (Texto ainda não escolhido – provavelmente: Há mundo por vir?  – ensaio sobre os medos e os fins. Editora Cultura e Barbárie Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski).
O fechamento das “Leituras para conhecer o Brasil” será encerrado no Museu da República. Mudanças no cronograma ou na bibliografia sugerida serão comunicadas com antecedência.


Att. Cinthia M. R. Oliveira e Eladio A. Oduber P. 

quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Os desejos incestuosos dos diretores de cinema

Orestes, filho de Agamenon e Clitemnestra, intera-se, na vida adulta, que seu pai foi assassinado num complot que a sua mãe e seu tio Egisto realizaram quando ele apenas era uma criança[1]. Quando Orestes atinge a maioridade vinga a morte do seu pai matando a Clitemnestra. Orestes fica então louco. Robinson Jeffers[2] cria em 1925 uma versão do monólogo do Orestes quando volta para Micenas depois de ter vagado pela floresta, “torturado de visões”. Estas palavras ele profere em resposta a Electra, sua irmã, que na ocasião propõe-lhe casamento:

Tive uma visão, nós nos movíamos nas sombras;
Tudo o que fizemos e sonhamos
Era recíproco; o homem perseguia a mulher,
a mulher agarrava-se ao homem; reis e guerreiros
combatiam-se na escuridão, todos amavam
ou lutavam interiormente, cada qual perdido,
buscava os olhos de alguém que o louva-se,
nunca os seus, sempre os alheios.
Voltando-se, viam apenas um homem de pé no começo, ou
Olhando para diante, outro no fim; ou para cima,
Homes no céu brilhante, correndo e banqueteando-se.
A estes chamam deuses...
E, no íntimo, mil desejos incestuosos...
(Robinson Jeffers apud MAY:1991 p. 109)

A história do Orestes como um ponto de partida nos permite imaginar que o olhar do diretor de um filme pode ser amplificado por dois dispositivos: O primeiro, a câmera, que transcende sua subjetividade, que tem “sede de realidade”, sede histérica de “verdades” e “ficções”. E o segundo. A tela; com “mil desejos incestuosos”, “procurando os olhos de alguém”. Nunca os seus, sempre os alheios. A tela é também o grande olho do diretor e não somente a câmera como normalmente se pensa. Entretanto, na projeção sobre a tela o olho do diretor está sempre à procura de outros olhos que deseja encontrar? Nem sempre.
No cinema, assim como em outras artes, o criador que toma a direção do que o “grande público” espera, estabelece uma comunicação “incestuosa” com seu receptor. Dificilmente “sangue e genes novos” entram nas veias da arte que é feita para agradar.
Entretanto, o grande olho da tela que se inclina na direção de outras subjetividades, que se apaixona “voltado para fora” isto é, o cinema que não é feito para a diversão do grande público, entende dolorosamente, como já dizia André Breton, que “o principal inimigo da arte é a vida”. Compreende que os membros do próprio clã hostilizam a criação por que temem a peregrinação do “amor” voltado para longe dos muros da aldeia. Robert Stam no seu livro “Introdução à teoria do cinema” lembra as palavras que em 1958 foram ditas pelo Godard: “estamos sempre sós”. Esta frase resume o preço pago pelo diretor cuja tela procura seus próprios olhos e não os alheios.
O cinema, afastado da relação “incestuosa” com seu público ganha profundidade estilística. Ausência ou presença de estilo diferencia um filme de outro. Entretanto, “estilo” não é uma categoria metafísica. Estilo significa síntese e mudança ao mesmo tempo. Sem estes dois elementos qualquer cinematografia ou qualquer arte torna-se ingênua... Ou melhor, torna-se inerte. E qual é o preço das mudanças estilísticas? Qual o preço de superar a imobilidade de estilo?      
            Muito provavelmente a solidão. Ou ficar com tão pequeno contingente de público que a produção não convença seus potenciais patrocinadores.
Então esconderá alguma verdade aquele pensamento - que faz parte do senso comum cinematográfico - de que o filme “vai ao encontro do seu público”?
Pensemos sobre profundidade estilística, ou sobre diretores, ou sobre filmes que decidem caminhar afastados do público.
O espectador. Aquele elemento imponderável que enche ou se ausenta das salas por motivos “quase” inexplicáveis e que provavelmente se identifica com o que está sendo projetado por que quer entender quem ele é antes de morrer, a semelhança do soldado agonizante no quadro do Filoxeno[3].

PS: Dedico este post aos meus admirados alunos de métodos no curso de cinema IESB- Brasília: Alanna Pinheiro Amorim, Sandro Villanova, Cássio Oliveira, Pezão, Teninson... eles ajudaram a objetivar estes pensamentos . Obrigado menina obrigado meninos. 

[1]História de conflito humano escrita por Esquilo na Grécia antiga.
[2] Poeta norte-americano (1887 – 1962)
[3] Refiro-me ao quadro do pintor grego Filoxeno de Erétria  (435 a C - 380 a C) onde foi eternizada a batalha de Issos em Pompeya.