Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

A vingança dos enfeitiçados



O filósofo brasileiro Rubem Alves diz que a Barbie não é boneca. É uma bruxa. porque ela traz o medo da dominação. Segundo o filósofo, as crianças mudam depois que brincam com a Barbie. Ela os enfeitiça modela seus pensamentos, inocula a doença da comparação e o consumo. As crianças obedecem cegamente às bonecas por que lhes rouba as almas. “A Barbie é uma boneca que nunca está contente: ela sempre pede mais. E essa é a grande lição que ela ensina às crianças: Compra, por favor! (...) a Barbie está sempre incompleta. Portanto, com ela vem sempre uma pitada de infelicidade.”
Rubem Alves termina sua reflexão sobre a Barbie com a seguinte proposta: “Vamos começar a produzir o próximo e definitivo complemento para a bruxa de plástico: urnas funerárias para a Barbie. Por vezes o feitiço só se quebra com o assassinato da feiticeira – por bonitinha que ela seja...”

Curiosamente uma pesquisa recente descobriu que crianças inglesas optaram por fazer coisas piores que comprar caixões para as Barbies, eles gostam de torturar as bonecas. A pesquisa foi feita por uma equipe da Universidade de Bath. As crianças da pesquisa mutilam de variadas e criativas formas, arrancam cabelos, decapitam e queimam. “Algumas bonecas são inclusive colocadas no microondas e têm suas pernas e braços removidos”.

Os pesquisadores levaram um susto ao constatar o odio era somente desenvolvido pelas Barbies e da mesma forma é assustador conferir que os desejos do Rubem Alves se materializaram pelas mãos daqueles que menos esperava o filósofo. Certamente estas crianças não odeiam suas Barbies pelos motivos que o filósofo brasileiro apontou. Entretanto, não esqueçamos que outras pesquisas já mostraram que adultos ingleses foram flagrados por cámeras de vídeo em hospitais torturando seus próprios filhos doentes.

É comum ver pais espanholes, ingleses suíços e franceses maltratando fisicamente e em público aos seus filhos.
A um tempo atrás um psicanalista, acho que de nacionalidade francesa, escreveu um livro a partir de uma viagem que fez pelo Brasil e dentre as cenas que lhe impressionaram foi o fato dos pais brasileiros deixarem as crianças escolherem a comida do cardápio no restaurante.
Lembro-me da bofetada que
meu amigo recebeu da sua mae "canária" por que ele sujou a roupa brincando comigo no parque. Na Espanha é costume bater na cara das crianças. Faz tempo que algum sociólogo reparou a postura das crianças francesas nos parquinhos e a forma impecável de brincar para não sujar as roupas.

Acredito que as crianças inglesas torturam as Barbies por que de alguma forma estas lembram as mulheres adultas com que convivem (acho que aqui estou forçando a barra). Esta hipótese não foi levantada pelos cientistas da Universidade de Bath. Não conheço de perto o fenotipo da mulher inglesa, porém, conheço o velho ditado inglês de que “uma mulher inglesa nunca é suficientemente magra nem suficientemente rica”...assim como é a Barbie.

Abraços do Eladio e Cinthia

Imagem:
www.wlhs.wlwv.k12.or.us

domingo, dezembro 04, 2005

Não me tires sem razão, não me guardes sem honra...

“Eu rio , e minha risada não está dentro. Eu ardo, e meu ardor não é visto de fora”
N. Maquiavel

Há profissões que parecem cultivar dentro de si a semente da sua própria destruição. É o caso da docência.

O professor em alguns momentos torna-se um profissional condenado à desaparição, sobretudo porque ele se esforça para alcançar baixos níveis de indicialidade.


A indicialidade é um conjunto de acordos latentes ou não declarados que os atores em sociedade constróem para poder viver em paz.
Por exemplo: se um aluno me encontra num dia com meus níveis de indicialidade baixos e me cumprimenta... Oi professor, tudo bem? Eu posso responder mais ou menos assim: você está me questionando sobre as circunstâncias da esfera pública ou da esfera privada? em qualquer caso estas arriscando-te a ser importunado por mim ou por qualquer um...

Creio que os revolucionários franceses herdaram dos exércitos da antigüidade o costume de inscrever nas suas espadas a frase “Não me tires sem razão, não me guardes sem honra”. O contraponto brasileiro ou português para esta frase é “a palavra é de prata o silêncio é de ouro”. Nesses dias de baixa indicialidade talvez seja melhor ficar com a primeira opção da primeira frase e com a segunda opção da segunda.

A atitude de momentânea intolerância aos lugares comuns da nossa cultura carrega nossas cabeças de humores e nos torna ameaçadoras palmatórias do mundo.
Entretanto, preferimos ser bígamos a divorciarmos do ofício, e aplicamos nossa repressão didática com força nestas épocas em que a precariedade de símbolos é dominante.

Tenhamos calma; quando há muitos hereges é por que a inquisição está perto do fim...
Na antigüidade as coisas não eram menos estranhas ou menos divertidas. Dizem que Sócrates seduzia belos jovens nos ginásios. Posteriormente, nas universidades européias do século XIII a ginástica foi proibida. Em Oxford os alunos transgressores eram açoitados. As aulas começavam as 06:00 da manhã e se prolongavam até as cinco da tarde. Por isto mesmo, os alunos viviam nas tabernas. Deus me livre... Prefiro todavia minha terra generosa, Macunaíma, e antropofágica. Deixemos que eles guerreiem entre si, que recolham e enterrem seus mortos e que “a terra lhes seja leve”.

Dias de glória virão, o futuro nunca morre totalmente. As nossas idéias não se transformam elas se decompõem. Nosso amor pela alegria é uma apoteose. Vamos avivar o fogo do nosso ofício com dança e gargalhadas. Coitados daqueles que enchem a boca para dizer; colega “o lúdico também tem seu espaço”

Abraços aos colegas professores neste sábado de dezembro chuvoso.

Eladio e Cinthia

Conferir:
MANCHESTER, W. Fogo sobre a terra: a mentalidade medieval e o renascimento. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

Imagem:
Alosete - Espada (acuarela - España)