Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

sexta-feira, janeiro 29, 2021

A educação que demos aos nossos filhos fracasou? (um texto bem antes da pandemia?

Farei entrada no reino das utopias sociológicas e com isto terei, antes de entrar neste curtíssimo passeio, que colocar no portal as palavras que o Dante escreve nas portas do inferno: “ Lasciate ogni speranza voi che’ entrate” (Vos que entrais, abandonai toda esperança).  

É conveniente não esquecer que a chamada humanidade ocidental por volta do s. XVI deu mostras da construção do único mito importante que o Ocidente deixará como legado à humanidade: O grande acordo fáustico. Para quem não lembra, o pacto fáustico está relacionado à completa mudança de atitude simbólica e comportamental a respeito da nossa relação com o mundo. Já não será possível “lavar os cavalos para grandeza de Deus” como faria São Francisco de Assis e sim “lavá-los por que estão sujos” como faria Don Quijote de La Mancha.


  Isto significa que a nossa bela alma imortal foi negociada em troca pela paixão por conhecimento, pelo poder aliado à sensualidade, pelo domínio sobre a phisys, isto é, sobre as forças que a natureza desencadeia, pelo acumulo de bens materiais, o culto a excelência do indivíduo “homem”, a apologia do progresso, a competição, o orgulho, a luxúria...

       

No jardim das delicias faustianas usufruímos da popularização de todas as bujingangas da industrialização. As mulheres acasalaram com os “traficantes de desejos” (o Bom Marchê) os “shoppings centers” onde podiam acariciar os tecidos de seda sem a intermediação dos caixeiros viajantes. E os homens plenos de fantasias podiam adquirir todo tipo de objetos que lhe assegurassem uma infância tranqüilizadora.


 Definitivamente esquecemos os ensinamentos de Epicuro e nunca mais ficamos felizes com aquilo que adquirimos. E eu que sempre tive aberração pelo mito cristão da proibição da árvore da vida e sua maçã... Hoje, meditativo, entendo que o Deus antigo do paraíso tinha razão. É muito difícil, se não impossível dizer... até aqui está bom...não quero mais, estou feliz com o que eu tenho ou conquistei.


O acordo fáustico nos deixou mais ricos e menos sábios, nos trouxe um eterno arrependimento sobre os excessos do Deus progresso, nos deixou ansiosos e vigilantes. Por que, a qualquer hora, o mundo pode se desmoronar nas mãos de quem tem o poder das armas. (na verdade a ameaça era no mundo microscópico, não sabemos ainda se foi uma arma criada)


O pacto fáustico nos tirou a ingenuidade, nos deu a máquina e nos trouxe o anonimato e a solidão das cidades. Superou a pintura Naif e nos deu o Picasso, matou o canto gregoriano e nos deu Wagner. Rivalizamos com as divindades autoritárias e patriarcais mais nosso coração endureceu e perdemos a capacidade de nos arrepender e perdoar.


A nossa relação com os “deuses” ficou desequilibrada... Em suma nos tornamos indivíduos auto-referenciados que tiramos o máximo da utilidade das nossas interações...


Sim, aprendemos a olhar para as pessoas como quem olha para canivetes suíços.


 E hoje já não podemos mais desenvolver as virtudes que só uma longa convivência permite realizar. O senso da lealdade, do comprometimento e o cultivo das convicções. Richard Sennett tem razão, estamos à deriva.


 Chega...


 E então, como é que vamos dizer que nossa educação fracassou?


Como é que podemos pensar que os objetivos da grande narrativa faustiana não foram cumpridos?


 Não é difícil enxergar esse individuo educado para adorar o Deus da tecnologia, o Deus do progresso, o Deus da bolsa de valores, da burocracia, do capital, dos objetos.

Convenhamos que a grande escola faustiana da evolução moderna triunfou sobre nossas almas e nossas instituições.


A minha filha me fez há tempos a pergunta basilar ... “Papai, por que eu tenho que estudar três horas de português, três horas de matemáticas e apenas uma hora de arte?”


Eu respondi... Minha querida filha, alguém quer que você vire uma burocrata e não sou exatamente eu... Mas no fundo fui eu sim quem planenejou  esse roteiro da educação faustiana (não esqueçamos que o Diabo gosta de papeis assinados como bem o mostrou Goethe no seu Fausto)


Dito isto, caro leitor, não há final feliz dentro das circunstâncias circulares e viciosas em que se discute qualquer tipo de reforma educativa.


Se compararmos nosso processo de educação com o processo de socialização de uma sociedade indígena observaremos o grau de artificialidade que o nosso caminho educativo possui. Foi Paul Gauguin que me ensinou a ter compaixão dos meninos taitianos que na flor do tesão da idade eram submetidos a aulas intermináveis enclausurados em salas de aula, assim como foram submetidos nossos indígenas nas missões católicas e assim como são submetidos os nossos jovens nas escolas do capitalismo pós-moderno.


 Os indígenas educam os filhos para serem adultos, nós educamos nossos filhos para passarem no vestibular.


Na escola, e isto já é conhecimento antigo, os alunos não apreendem física, ou química, ou português ou geografia. Nas nossas escolas os jovens aprendem a submeter sua sexualidade, aprendem a obedecer, aprendem a respeitar a hierarquia das instituições e apreendem a controlar a vida de outros seres humanos, encarcerados em galpões maquiados em quanto os pais provedores investem suas horas de vida em trabalhos burocrático-urbanos que os ajudam a pagar as contas e a pagar a vida nas metrópoles que incluem esses galpões que educam seus filhos.


 Então car@ leitor@ quando o aluno, não para quieto na carteira, quando rejeita a sala de aula, quando tira notas baixas nas matérias e se nega a ler os textos, quando não respeita o professor, quando mata aula, quando quer ficar “isolado” na sua comunidade virtual... A final, o que é que ele está falando?


 Ele está simplesmente dizendo “... por enquanto, eu não quero participar de esse mundo que vocês desenharam e que ninguém me consultou antes de ser materializado... Me deixa em paz um bocado antes de que meu desejo vire pô e a beleza do mundo vire cinza...”  


Abraços de coração a todos


 Eladio Oduber