Paquerar ou acasalar com nossos objetos de estudo?
Eu, por exemplo, gosto de me lembrar da afirmação de Juan Miró: "Eu pinto o quadro até um certo ponto, depois ele se pinta sozinho". Certo amigo da física me falou um dia da teoria do "átomo amanteigado", excelente imágem para descrever aquilo que se persegue e não conseguimos apanhar.
Nossos objetos de estudo são assim, átomos encharcados de graxa, telas cujas formas andam sozinhas, coelhos fugitivos. O pesquisador pode estabelecer uma relação mais o menos autoritária ou mais o menos respeituosa com seu objeto de estudo. Quando se é demasiado normativo com aquilo que estudamos as "profecias que se autoconfirmam" materializam-se em forma de "objetos pre-construidos". Quando se é demasiado anárquico aparecem objetos de estudos acomplexados pela excessiva subjetividade.
Prefiro uma relação anarquica com meus objetos de estudo, aliás, prefiro não ter objetos de estudo, melhor é ter companheiros de viagens...aos que você respeita, com os quais você não perde a ceremônia; com licença, desculpa, por favor...
Entretanto, o objeto de estudo-companheiro de viagem pode deixar-te sozinho num momento qualquer do percurso, pode acassalar com outro pesquisador, pode desistir do traje que lhe emprestaste, pode almoçar com o vizinho, pode te largar para sempre ou te deixar na mão na porta da igreja, e ai o pesquisador traido nunca mais consegue conquistar um lugar de honra acadêmico para aquele a quem dedicou incondicionalmente suas melhores horas.
Nesses casos eu recomendo umas pingas. Os objetos de estudo são assim mesmo, eles só olham para seus umbigos. Um conselho; objetos de estudo não conseguem amar cientistas fracassados.
Na academia o pesquisador desconfia do fluxo das coisas, se esforça por mentir o mínimo possível, desprovido de estratégias para cativar seu objeto de estudo, o recompõe como uma dócil matéria morta cuidando que suas deduções excessivamente torpes não lhe restrinjam o campo da visão. Suas obras contam com uma essência de imortalidade tolerando bastante bem a passagem do tempo. Os objetos construídos parecem defuntos. A ciência se mostra às vezes um jogo cheio de mistérios em que o cientista lhe consagra uma parte preciosa da sua vida. A realidade permanece inatingível e confusa enquanto as condições financeiras para o trabalho intelectual não se realizam, então, o olhar subitamente iluminado do pesquisador oculta-se.
beijos a todos
do Eladio Oduber.
Paráfrases desonestas de Marguerite Yourcenar em Memórias de Adriano