Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

sábado, setembro 24, 2005

A Ponte Brooklin não pende delicadamente sobre East River (1)

Quando terminei a leitura de América de Franz Kafka, lembrei-me de uma gravura feita pelo meu amigo "caraqueño" Edgar Moreno. Ele tinha chamado esse quadro de "o dia em que os cachorros saíram de Nova York" : era uma gravura pequena, de cor verde escuro, e em cima da ponte de Brooklin um monte de cachorros indo embora e "dando uma banana" para a cidade.
A visão panorâmica das coisas constrói uma ilusão que se desmancha na proximidade.
Na América de F. Kafka, há uma visão aclimatada na escala cotidiana da existência.
As próprias personagens do Kafka foram num momento pegos pela idéia de uma cidade enorme e lisa. Uma cidade onde os carros eram silenciosos e parecia que não passavam pela ponte Brooklin que "pendia delicadamente sobre East River". As imagens que hoje fazemos das cidades são produto de um fato tecnológico; o avião.
Os imigrantes de Kafka observam estes elementos desde um lugar periférico, a cultura que produz bens ministra sua força centrífuga a quem não os pode consumir. A sociedade da acumulação também é a sociedade dos peregrinos, do desemprego, contaminação, alcoolismo, exploração das mulheres e das crianças, e lutas operárias.
Os cachorros da gravura do meu amigo Edgar Moreno provavelmente tinham um sentimento kafkiano sobre Nova York. Os materiais de que está feita a ponte Brooklyn sofrem da mesma tensão dos imperativos da cultura do aço. A um tempo atrás, Carlos Oduber, me ensinou a ter certa compaixão dos materiais construtivos, em verdade as edificações da cultura industrial imploram para descansar. O concreto armado e o aço são tensos desde sua origem, por isto é difícil acreditar na aparente delicadeza e tranqüilidade da ponte Brooklyn sobre East River.


Eladio Oduber


1 Dedicado ao meu irmão brasileiro Antônio Carlos Bigonha músico admirável e procurador virtuoso.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Gostei! A idéia do abandono canino parece me feliz, portanto, roubá-la-ei! Para onde vão? Querem um livre espaço? Querem ocupar alguma encruzilhada entre as linhas de nossa racionalidade e outras linhas que nos escapam? Querem ocupar um espaço de curvatura distinta da nossa? Estes cãezinhos sujeitaram-se por uns breves momentos e depois disseram "estou farto" e recusaram-se ao jogo? O que os facinam seria a vertingem ou a ponte? Sim, é mesmo estranha essa forma tensa: "Eu estava rígido e frio, era uma ponte, estendido sobre um abismo. (...) - Assim eu estava estendido e esperava; tinha de esperar. Uma vez erguida, nenhuma ponte pode deixar de ser ponte sem desabar." Assim falou Kafka quando eu pilhava seu espólio...

2:00 AM  

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