Templos, relógios, escovas de dentes, beijos apaixonados e questionários in loco
Nossa relação com o mundo prático não é tão objetiva como parece. Nunca ficamos na frente do guarda roupa de olhos fechados, pegamos a primeira peça e a vestimos. As roupas, os lugares, os objetos envolvem um forjar do sujeito. (isto é antigo mais é saudável lembrá-lo desta maneira).
Os poetas gostam de chamar este “forjar” de “epifania”, os antropólogos preferem a palavra “hierofania”. Duas palavras que descrevem nossa religiosidade cotidiana e que vão a reboque do sufixo fanus – templo. Aqui nesse lugar / momento acontecem coisas separadas do mundo cronológico. Chronos definido como “... a extensão de tempo matematicamente divisível [...] uma série quantitativa pura de medidas iguais”.
Nesses curiosos e infinitesimais segundos em que escolhemos a roupa pode-se dizer que visitamos mentalmente nosso templo particular. Um amigo trompetista olhando para o teto da casa que está construindo me confesou uma hierofania : ” pensar que cada uma dessas telhas são notas musicais que eu toquei...”
Quando decidimos infinitesimalmente visitar nosso templo abandonamos o chronos e somos abraçados pelo kairos “tempo para decisões fatais, os momentos climáticos que se alternam com espaços de tempo durante os quais nada parece acontecer”
Um exemplo: A experiência desastrosa do amor não compartilhado sendo uma experiência comum a todos nós, é uma entrada involuntária no kairos. As coisas mais familiares fragmentam-se causando-nos horror (Langer).
Então, lançamos mão das analogias mais próximas. São elas que nos orientam nas experiências caóticas. Comer, escutar música, limpar podem ser analogias próximas.
Sendo didáticos e, ao mesmo tempo, enjoados podemos dizer que o chamado “mundo objetivo” é uma analogia da analogia da analogia. uma consolidação de “archi-analogias”.
A alternância entre kairos e chronos ou entre burocracias e hierofanias explicam de forma geral a alternância entre o beijo apaixonado e o escovar de dentes, entre os insights das técnicas projetivas e a estatística descritiva o entre a moderação de um grupo focal e a aplicação de um questionário de perguntas estruturadas in loco.
Abraços de Cinthia e Eladio
PS: Este texto vai com especial carinho ao amigo, e grande pesquisador, Zeca Teodoro, com o seguinte esclarecimento: Amigo Zeca, eu sou também muito fã da pesquisa “quanti”. Eu sei que se não escovamos os dentes não podemos dar beijos apaixonados.
Conferir:
IANNI, Otávio. Teoria da estratificação social: leituras de sociologia. São Paulo Editora Nacional, 1973
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978.