Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

sábado, outubro 08, 2005

O pesquisador cego e o temperamento das maças e das pêras.

Nos meus bons tempos de professor de faculdade costumava “repreender” os alunos descompromissados com exercícios que batizei de “prendas filosóficas”. Foi a leitura de Roger-Pol Droit que me inspirou a aplicação destes corretivos em sala de aula. Em verdade, o livro, cujo título é “ 101 Experiências de Filosofia Cotidiana” não propõe atormentar alunos com punições. Apenas sugere que o leitor se coloque em situações extra-cotidianas que propiciem reflexões sobre o mundo. Como por exemplo, fazer telefonemas aleatórios, tentar eliminar os próprios pensamentos ou mergulhar na água fria.
Na época decidi fazer algumas adaptações às propostas de Droit que resultaram em depoimentos emocionantes dos alunos que pagavam as prendas. Uma destas adaptações foi a sugestão de caminhar de olhos vendados no meio do mato durante, pelo menos, 30 minutos. Eu mesmo já tinha me submetido a esta experiência na reserva ecológica da QI 27 do Lago Sul. Lembro-me que fiz isto inspirado num relato do antropólogo Clifford Geertz sobre um povo indígena norte-americano que conseguia solucionar os impasses dentro da tribo obrigando a um homem a caminhar de olhos vendados durante alguns dias pela mata fechada. Segundo Geertz, o enviado, via de regra, consegue o caminho de volta para a aldeia e traz consigo a resposta ao problema que gerou o impasse.
A experiência de caminhar de olhos vendados, à noite, num bosque não é exatamente agradável. Porém resulta numa bela metáfora que descreve bem a situação de um pesquisador angustiado com a falta de rumo do seu estudo. O abandono das referências a que estamos acostumados nos impõe a transcendência dos limites da nossa habitual arrogância. Esta decorre do controle ilusório que acreditamos possuir sobre o nosso objeto de estudo e suas circunstâncias. Devo confessar, meus amigos e amigas, que eu gostei muito mais do resultado que obtive na oportunidade em que me submeti à “dieta do arroz integral”. No 10° dia do jejum já conseguia perceber a masculinidade decadente das maças e a docilidade austral das pêras.

Boa madrugada a todos do Eladio Oduber

PS: Moral da história: quando sua pesquisa entre num impasse, faça como o nativo, tire as vendas dos olhos e volte para a aldeia cheio de soluções. Todo mundo vai a acreditar em você, inclusive seu orientador.

Conferir:

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978.
DROIT, Roger-Pol. 101 experiências de filosofia cotidiana. Rio de janeiro: Sextante, 2002.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Sabem o que me fez um pirata? A civilização! Lá as coisas são muito fixas. Todos teêm que ter casa. Por quê não morar pelas ruas? Eis uma situação extra-cotidiana! Coletar o próprio alimento - reciclagem. Saber se virar paleoliticamente - saber fazer. Caminhar sem ser sobre uma esteira rolante - sair do lugar. Explorar paisagens sem ser mediado por fotografias de catálagos - cheirar, saborear. Quando se está nas ruas sabe-se virar. Ah, se não fossem os esquadrões da morte do corpo e do espírito... Há 2 séculos atrás amigos meus, os bucaneiros, fecharam o olhos às civilizações e voltaram para as florestas. Lá se caça, não se planta, nem se estoca comida. Não há violência. Portanto, sem polícia. Tudo se dispõe às suas indisposições. Certa vez tentei me voltar às florestas. Mas não estavam mais lá. Foi então que lancei-me ao mar eletrônico. Sem permitir que meu corpo ficasse sem órgãos. Principalmente sem as pêras, as maçãs, os genitais!

2:25 AM  

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