Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

sexta-feira, julho 24, 2009

Uma Corda

Comecemos imaginando uma corda esticada. Ambos extremos suportando a qualidade elegante e angustiada de este objeto que implora para descansar.


Impressiona-me a capacidade humana de produzir cenas cotidianas que espelham seu íntimo. Uma corda esticada é, talvez, um dos eventos mais simples e antigos em que possamos pensar.

E por isso mesmo, um evento que tem o poder simbólico de esclarecer algum pedaço do que se denomina “vida em sociedade”.


Viver no meio de “outros” requer, no mínimo, uma dupla habilidade metodológica. Por um lado capacidade de observar o que as pessoas fazem e por outro, capacidade de inferir o porquê as pessoas fazem aquilo que fazem.


Todos os dias alimentamos a “ilusão da regularidade” que matou a galinha de Francis Bacon.

A imagem da corda espichada, tensa, nos revela alguns enigmas.


Do verbo latino “tendere” (despregar, tender) floresceu uma família exemplar de palavras como; tendência, tenda, tendão, tenso, tesão... E finalmente as palavras que aqui me interessam: intenção, pretensão, atenção, entendimento e contenda.Palavras estas que tem suas origens nos cultismos latinos entre 1140 e 1580.


Partindo de estas hipóteses etimológicas, imaginemos que cada um de nós, atores sociais – incluindo crianças, loucos, bêbados e principalmente comerciantes – Andamos pelo mundo com um ou vários pedaços de corda nas mãos procurando quem sujeite os extremos soltos...


Temos agora uma metáfora (corriqueira) que ilustra o funcionamento das nossas interações com o mundo.

As cordas sujeitas apenas por um dos extremos são frouxas. Não tonificam nossas relações com a sociedade. As cordas tensas indicam as expectativas confirmadas, nossa ligação com a vida humana, a reverberação da intersubjetividade.


Assim sendo, sempre teremos motivos para oferecer os outros extremos ao mundo, isto é, às outras pessoas ou instituições. Por isso a metamorfose do verbo “tendere”.


Quando pensamos ou imaginamos jogar nossas cordas ao mundo para alcançar algum fim dizemos que temos a “intenção” de... Ao final no sabemos se as pessoas ou instituições agarrarão os outros lados das nossas cordas. “Intenção” é uma tensão provável, uma promessa de tensão com o mundo.


Quando pensamos “a - priori” que nossas cordas têm os outros lados sujeitados pelo mundo, estamos falando de “pretensão”. Somos “pretensiosos” quando trabalhamos com a hipótese de que o mundo já aceitou nossos arremessos antes de tê-los feito. Por tanto, a “pretensão” é uma tensão presumida que se estabelece com as pessoas e as coisas.


Outro derivado do verbo “tendere” é a palavra “atenção”. Creio, por um lado, que quando se está atento também se está na expectativa de agarrar os extremos de outras cordas cuja tensão nos importa. Há que ter as mãos vazias para pegar cordas alheias. Há quem tem as mãos cheias das cordas do mundo e tem receio de lançar as suas.


Por outro lado quem alcança “entendimento” sobre alguma realidade segura de forma permanente o extremo de algumas cordas que o ajudam a levantar vôo.


E, por último, a “contenda”. Em que cada extremo esforça-se para arrastar o “outro”, às vezes até sua morte física ou simbólica. Neste caso, é causa de frustração para qualquer um dos "contendores" se um dos lados solta a corda.


Esta última palavra ilustra a qualidade e natureza das tensões alcançadas pelas cordas que lançamos e recebemos todos os dias, no mundo do trabalho, da família ou do convívio social...


Bons sonhos.


Eladio Oduber


PS: A todos meus queridos amigos e amigas cujo mútuo lançar de cordas não produz “contenção” nem “contenda” e sim contentamento (uma tensão do prazer e alegria próprias que faz vibrar o prazer e alegria do outro)

quinta-feira, julho 09, 2009

Paisagens

Dias atrás, estando no templo em que se encontra tudo aquilo que perpetua a existência humana, enquanto caminhava sobre restos marrons de folhas mortas. Fui surpreendido pela “ebrietas” da beleza poética. A fábula das cores e formas delirantes. Amarelos/dourados furiosos. Eróticos castanhos/amêndoas.

Tudo o que governa sem reinar, o não domesticável. Aquilo que está “fora” e toma posse do que levamos “dentro”.

A celebração secreta de um mistério. A loucura ritual que traz o castigo a quem violou um segredo, a pena de morte, o desígnio de coisa alada.

A divindade dentro de si. Aquilo que nos ejeta da vida profana, em resumo, o entusiasmo.

A insensatez de quem perde a fé. Admitir a existência da noite aveludada. O “pragma” e a contemplação de mãos dadas, o supremo amor. A suspensão do juízo.

Algum Deus fez estas paisagens para mim... ”Eros d’estin eros peri to kalon”


Eladio Oduber


PS1: Ao "Perfume do Deserto" que ainda desfrutarei.

PS2: A Juliana e Andrea. Obrigado pela beleza.


Conferir: Ludovico Silva : Filosofia de la ociosidad. Biblioteca de la Academia Nacional de la História, Caracas, 1987.