Em um post anterior lembrei de Jorge Luis Borges que contava a história de um rei que encomendou a seus cartógrafos um mapa bem preciso do reino. Os cartógrafos trouxeram-lhe uma, duas, três versões que foram rejeitadas pelo monarca porque, segundo ele, faltavam nos mapas inúmeros detalhes como árvores, casas, pedras, etc. A certa altura os cartógrafos perguntaram-lhe porque insistia em ter um mapa tão detalhado do reino? porque não ficava com o reino “real”?
Pode-se dizer então que este rei não gostava de generalizações, ele era obcecado pelas particularidades do seu reino. Os cartógrafos não entendiam, ao final, qual era a finalidade do rei ao exigir um mapa tão pormenorizado do reino.
A questão reside ali. Quais são as finalidades que queremos alcançar quando generalizamos ou quando particularizamos?
Depois do construtivismo e sobre tudo depois da obra de Bruno Latour, sabemos que finalidades científicas e políticas nunca, na história de ambas atividades, foram coisas diferentes. Quem faz ciência sempre faz política. Pode ser que o contrário não seja verdadeiro.
A questão não é tão fácil de ser resolvida. O raciocínio dedutivo e o indutivo há tempos se complementam nas chamadas ciências humanas e sobre tudo no direito. Parece que o único campo que resiste a participar destes vasos comunicantes é a filosofia (aqui estou generalizando, com a finalidade política de provocar. Vejam como a sociologia é mais honesta na declaração de intenções).
Particularmente acho a implosão de certas generalizações muito louvável. Por exemplo, os antropólogos conseguiram, estudando sociedades “particulares”, quebrar as idéias universalizantes da “inveja do pênis” ou do “complexo de Édipo” como sendo processos inerentes aos seres humanos.
Vejamos que por trás das generalizações sempre há objetivos políticos latentes. No caso do Freud os objetivos eram da racionalização ou consecução da hegemonia de gênero. Foram as mulheres antropólogas que conseguiram dar o troco ao pensamento machista freudiano.
Na filosofia e na ciência generalizar tem sua utilidade. A obra inteira de Max Weber está sustentada em grandes generalizações, assim como a obra de Karl Marx. Cada vez que um estudante acusa a qualquer um destes “totens” de terem generalizado sempre há um professor de plantão que sai a suas defesas alegando que estes autores tinham apenas a intenção de construirem seus objetos de estudos à semelhança de um mapa. Eles não queriam tratar das pedras, das arvores, dos animais..etc. É o mesmo enigma do rei e dos seus cartógrafos.
Se a coisa de generalizar ou não generalizar fosse tão fácil assim não haveria profissões no mundo que entram e saem de cena ao longo da história. Por exemplo, os mecenas dos filósofos e dos sociólogos foram acabando ao longo da história por que ambas disciplinas não sabiam outra coisas a não ser generalizar. (novamente estou generalizando) Alguns departamentos de sociologia das universidades mais antigas de Estados Unidos como é o caso da Universidade de Yale foram fechados por que a “sociedade” (leia-se o Estado que financia) não entende qual é, ao final, a utilidade destes generalistas. Isto é, num mundo que há mais de três séculos progressivamente foi precisando de profissionais especialistas, aqueles que somente foram treinados para generalizar foram ficando sem financiadores. Com isto a humanidade perdeu?
Sim, perdeu muita coisa. Sobre tudo a capacidade de refletir sobre seus fundamentos.
Muitas generalizações também são burrice e foram muito perniciosas ao mundo durante muito tempo, e, graças a aqueles pensadores que particularizaram foram banidas do pensamento social. Por exemplo: As mulheres são isto ou aquilo. Os nordestinos são isto ou aquilo. Os homossexuais são, etc, etc. Os negros são, etc, etc.
Outras generalizações também são odiosas e denotam uma atitude arrogante e preconceituosa de quem as veicula por exemplo:
a) Ser intelectual é uma coisa louvável em si mesma;
b) Ser leitor é uma coisa boa em se mesma;
c) Saber apenas um pouco de política cotidiana é uma coisa ruim em se mesma;
d) Não conhecer filosofia ou literatura é vergonhoso;
e) ler e ser culto é um objetivo de vida a ser perseguido;
Conheço seres humanos que sabem muito de política, literatura e filosofia e dos quais não gostaria de me aproximar um milímetro.
Moral da história: generalizar é um ato político, é necessária uma dose de honestidade intelectual para reconhecer isto. Quando um pensador generaliza tem objetivos muito claros. Se é esperto poderá reconhecer que, por vezes, podemos olhar as arvores e não somente o bosque. Olhar as árvores nos permite, muitas vezes, superar pré-julgamentos que nos tornam verdadeiramente cegos, obcecados, mulas sem cabeça.
Abraços do Eladio Oduber - Sociólogo
Imágem: Parcialidad / Eladio Oduber. Novembro 2007 (construido a partir de um quebra cabeça da Ana Cecilia)