Gênero e Semiótica
Não consigo esquecer aquela barriga. Digo isso naturalmente, como uma constatação. Já faz tempo que a vi. Não foi uma foto, ou uma imagem na TV. Foi algo que chamou minha atenção numa pessoa que estava viva, “alive”, diante de mim. A barriga dela não tinha a menor importância, no contexto. Mas, chamou minha atenção. Também não foi demais. Na hora, parecia só um detalhe.
De repente percebi que é uma imagem que persiste. A princípio, não tem nada de assustador ou inusitado. Uma barriguinha descuidada de uma menina de 13, 14 anos, só isso. Uma menina de classe média, brasileira. Acho que foi por isso que chamou minha atenção. A blusa bonitinha, meio baby look, feita para realçar o corpo, contrastava com aquela barriguinha descuidada, como eu disse. Uma barriga de mãe de família, de alguém que “não tem tempo para si”, não tem tempo para “se cuidar”. Acho que essa é a mensagem daquela barriguinha: não é exatamente de uma adolescente desse tempo, dessa classe.
Revendo a imagem, lembro também da postura da menina. O corpo escorado em algum móvel. Não sentada, no estrito sentido do termo. Só encostada mesmo, pra descansar de ficar em pé, alerta. Um momento de entrega, de relaxamento, de desatenção; inclusive consigo. Como alguém que se apóia no cabo da vassoura entre duas varridas, aquela menina se apoiava no móvel e também no momento, no intervalo da atenção.
Falando sobre questões de gênero, a cientista social Tatau Godinho contou que, no estado de São Paulo, as meninas não participaram de atividades de férias oferecidas nas escolas públicas. A análise do baixo comparecimento das meninas revelou que a maioria das atividades propostas eram mais atraentes para os meninos. Mas, o motivo principal foi a incumbência que tinham de cuidar dos irmãos menores. Na mesma ocasião, Tatau expôs os resultados de pesquisa sobre o uso do tempo de homens e mulheres. O uso do tempo de lazer mostra que a primeira atividade considerada de lazer pelas mulheres adultas é encontrar os familiares. Em segundo lugar estão as práticas religiosas e, por último, assistir televisão.
As duas primeiras atividades de lazer são relacionais. A última é menos lazer e mais descanso do corpo, “jogado no sofá”, como diz a dona de casa Abigail. Aliás, esse é um sonho dela: passar o dia deitada, assistindo televisão. Mas, por enquanto, vai assistindo e fazendo outras tarefas domésticas: passa roupa, lava louça...
Visitar parentes é reforçar redes e, ainda cuidar: das pessoas diretamente e das relações que permitem deixar as crianças com alguém, por exemplo. A religião pode representar a mesma coisa. As mulheres parecem considerar lazer ações que permitem a realização das tarefas cotidianas, dos deveres. Estar com parentes e ir a igreja podem não ser exatamente escolhas... A pergunta é: quando é que essas mulheres podem fazer algo para si mesmas?
Quando é que essas mulheres, enredadas nos fios da vida privada, podem tratar de assuntos públicos?
O que observamos é que para que uma mulher saia de casa, ela ainda precisa deixar outra em seu lugar: a mãe, a sogra, a tia, a filha, a empregada doméstica ela própria tendo deixado alguém em seu lugar. Se é assim, o lugar da mulher no mercado de trabalho não é da mulher, não está adaptado a ela. É fácil concordar com isso.
Mas, se para sair de casa a mulher precisa deixar outra como refém, não é só o espaço público que está projetado para o homem. O espaço privado também é concebido – e gerido – a partir de uma lógica masculina. A mulher pode ser a “rainha do lar”, sua casa é o seu reino. Mas a lógica desse reino não existe em seu benefício, ela está voltada para um mundo ainda organizado a partir da ótica masculina. Num reino parlamentarista, ser rainha não é governar. A rainha não tem um poder real, com e sem trocadilhos. É o que parece acontecer com a rainha do lar.
Aquela menina que eu vi, com a barriguinha de uma senhora mais velha, já vivida é, portanto, princesa, herdeira e refém do reino de sua mãe. Ela tem a obrigação de cuidar de outros e, seu corpo demonstra, para isso é necessário esquecer-se de si.
De repente percebi que é uma imagem que persiste. A princípio, não tem nada de assustador ou inusitado. Uma barriguinha descuidada de uma menina de 13, 14 anos, só isso. Uma menina de classe média, brasileira. Acho que foi por isso que chamou minha atenção. A blusa bonitinha, meio baby look, feita para realçar o corpo, contrastava com aquela barriguinha descuidada, como eu disse. Uma barriga de mãe de família, de alguém que “não tem tempo para si”, não tem tempo para “se cuidar”. Acho que essa é a mensagem daquela barriguinha: não é exatamente de uma adolescente desse tempo, dessa classe.
Revendo a imagem, lembro também da postura da menina. O corpo escorado em algum móvel. Não sentada, no estrito sentido do termo. Só encostada mesmo, pra descansar de ficar em pé, alerta. Um momento de entrega, de relaxamento, de desatenção; inclusive consigo. Como alguém que se apóia no cabo da vassoura entre duas varridas, aquela menina se apoiava no móvel e também no momento, no intervalo da atenção.
Falando sobre questões de gênero, a cientista social Tatau Godinho contou que, no estado de São Paulo, as meninas não participaram de atividades de férias oferecidas nas escolas públicas. A análise do baixo comparecimento das meninas revelou que a maioria das atividades propostas eram mais atraentes para os meninos. Mas, o motivo principal foi a incumbência que tinham de cuidar dos irmãos menores. Na mesma ocasião, Tatau expôs os resultados de pesquisa sobre o uso do tempo de homens e mulheres. O uso do tempo de lazer mostra que a primeira atividade considerada de lazer pelas mulheres adultas é encontrar os familiares. Em segundo lugar estão as práticas religiosas e, por último, assistir televisão.
As duas primeiras atividades de lazer são relacionais. A última é menos lazer e mais descanso do corpo, “jogado no sofá”, como diz a dona de casa Abigail. Aliás, esse é um sonho dela: passar o dia deitada, assistindo televisão. Mas, por enquanto, vai assistindo e fazendo outras tarefas domésticas: passa roupa, lava louça...
Visitar parentes é reforçar redes e, ainda cuidar: das pessoas diretamente e das relações que permitem deixar as crianças com alguém, por exemplo. A religião pode representar a mesma coisa. As mulheres parecem considerar lazer ações que permitem a realização das tarefas cotidianas, dos deveres. Estar com parentes e ir a igreja podem não ser exatamente escolhas... A pergunta é: quando é que essas mulheres podem fazer algo para si mesmas?
Quando é que essas mulheres, enredadas nos fios da vida privada, podem tratar de assuntos públicos?
O que observamos é que para que uma mulher saia de casa, ela ainda precisa deixar outra em seu lugar: a mãe, a sogra, a tia, a filha, a empregada doméstica ela própria tendo deixado alguém em seu lugar. Se é assim, o lugar da mulher no mercado de trabalho não é da mulher, não está adaptado a ela. É fácil concordar com isso.
Mas, se para sair de casa a mulher precisa deixar outra como refém, não é só o espaço público que está projetado para o homem. O espaço privado também é concebido – e gerido – a partir de uma lógica masculina. A mulher pode ser a “rainha do lar”, sua casa é o seu reino. Mas a lógica desse reino não existe em seu benefício, ela está voltada para um mundo ainda organizado a partir da ótica masculina. Num reino parlamentarista, ser rainha não é governar. A rainha não tem um poder real, com e sem trocadilhos. É o que parece acontecer com a rainha do lar.
Aquela menina que eu vi, com a barriguinha de uma senhora mais velha, já vivida é, portanto, princesa, herdeira e refém do reino de sua mãe. Ela tem a obrigação de cuidar de outros e, seu corpo demonstra, para isso é necessário esquecer-se de si.