Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Tempos Pornográficos

Manoel de Barros tem razão: "a metáfora expande o mundo". Produzir imagens literárias da existência nos devolve a saudável claustrofobia do pragmatismo.

Quanta pobreza suportei até descobrir que um cacho de uvas é uma condensação da noite. Quanta penúria vivi até entender, Cinthia, que teu sorriso tem rumores de águas nômades sobre lajes de brasa. *

Manoel de Barros tem razão: a metáfora explode o mundo. A objetividade não é um vício das pessoas, é um vício dos tempos.

Antes do Cervantes o vício dos tempos era o pensamento analógico: as coisas do mundo tinham um espelho idealizado no supra-mundo.

Então a rebelião da literatura nos trouxe a ironia. Os artistas interrogaram-se, fingiram ignorância, não se entregaram. Dissimularam a sabedoria com um sorriso.

Diferente dos sarcásticos que sorriram com prazer em quanto mordiam o cadáver do inimigo vencido.

Percamos tudo, exceto a ironia... Ensinou-me Ludovico Silva, o filósofo venezuelano.

Em verdade os digo: percamos tudo exceto a metáfora. O mundo nos entrega o mundo feito. È preciso carregá-lo, leva-lo a outros mundos. Chacoalhar, inventar, torná-lo generoso.

Hoje 28 de outubro, quando na madrugada de Brasília chove, lembro aos meus amigos algum pedaço do mundo que Garcia Lorca deixou em dois versos:

“A chuva tem um vago segredo de ternura. Algo de sonolência resignada e amável., Uma música humilde acorda com ela e faz vibrar a alma adormecida da paisagem” (...)

“Oh, chuva silenciosa que as arvores amam, tu és sobre o piano doçura emocionante. Das à alma as mesmas névoas e ressonâncias que colocas na alma adormecida da paisagem”.

Conferir: Garcia Lorca: Obras completas / Octavio Paz: Hombres em su siglo.

PS: Entre os dois versos de Lorca há mais nove “uni-versos”

* Paráfrases desonestas extraídas do Otávio Paz de um capítulo “in memoriam” ao seu amigo Kostas Papaioannou.