Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

sábado, setembro 02, 2006

Oximoronia

Meu cavalo andou, nesses dias, se queixando do peso das minhas armaduras. Mal ele sabia que era a densidade da minha alma que o incomodava.

O mal humor é uma moléstia infame que gosto de mostrar pelas frestas das palavras, assim em languidas prestações ao longo do dia.
O mal humor deveria ser tratado com métodos mais radicais. Por exemplo; quimioterapia. Ou com doses de piedade sobre nossa oximoronia.

Ser uma coisa e ao mesmo tempo seu contrário é tarefa para almas gloriosas. Viver a esquizofrenia sem fragilizar a tênue fronteira das nossas identidades. Meus amigos feitos à imagem e semelhança de Deus, levam, em geral, vidas desregradas. Seus corpos são templos da indolência cujos telhados caem ao passar crônico dos dias.

Para que então qualidade de vida? O que fazer com tanta saúde depois que os amigos se vão de mãos dadas com os seus vícios. Ou é muito o meu otimismo mórbido achar que eles vão primeiro.
Enquanto o Lobo do tempo, que leva tudo e tudo devora, não vem, fujamos do “cortejo dos hábitos esclerosantes, da certeza do espaço e da quietude da norma.

Eladio



A Guilherme Montenegro, distinto leitor e advogado lúcido, em homenagem ao seu constante bom humor.



Conferir: MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Imagem: Brinquedo com flores / Eladio Oduber setembro de 2006.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Querido amigo Eladio,

Você conquista o meu respeito e a minha admiração pelo simples fato de se mostrar humano.
Humano como você é. Do jeito que você é.
Humano como todos nós somos.
Humano com todos os seus sentimentos e pensamentos.
Humano, simplesmente humano.
Me desculpe esse seu amigo que vive bem humorado, mas acredito que ele, não seja humano. Precisamos de dias de chuva , para depois admirar o calor do sol, como também, precisamos de tempestades para nos agarrarmos a nós mesmos e nos mostrar como somos belos em momentos de tormentas.
Esse poema de Fernando Pessoa é adorável, é humano e ele diz:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semi-deuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído.


Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Portanto, querido amigo, seja bem vindo ao miserável mundo dos humanos, onde estamos miseravelmente sós.
E, se você já leu Heidegger, sabe muito bem que podemos interpretar esta solidão tanto como abandono quanto como liberdade.
A escolha é, e sempre será sua.
E para isso você não pode esperar garantias de ninguém! Afinal todos nós humanos habitamos o mesmo território da dúvida.
Mas seja qual for a sua decisão, conte com o meu respeito e a minha admiração pelo simples fato de você ser humano como eu sou.
Beijos.

3:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

chachito! Eu tentei ler a palavra Oximoronia de trás pra frente pra saber se você não estava brincando ...
Então andas passeando pelo Maffesoli???? (dá até a impressão que eu ando demais por ali... Não. Estou escaneando o "conhecimento comum" para a minha dissertação. Ainda não sei localizar Maffesoli: às vezes ele parece um pós-estruturalista, ás vezes um hermeneuta ...

9:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

Caríssimo amigo Eládio,

Não pude deixar de me sentir extremamente honrado pela menção em seu post. Embora não me considere tão distinto e/ou tão lúcido (em alguns momentos seletos do meu dia), tento manter o bom humor ou, pelo menos, atuar bem para todos vocês.

Não poso deixar de considerar, ainda, que devemos ir de mãos dadas com nossos amigos, com todos os vícios e, quando possível, também com humor (que eles dividam conosco a angustiante pressão que se exerce sobre nossas almas).

Um grande abraço !

3:15 PM  
Anonymous Anônimo said...

oxiurósofos! oxigênio aos oxidantes que presam pela mediocridade como garantia e defesa do futuro. contra mafesoli: o tratado de nomadologia! a mákina de guerra que se opõe aos liames mágicos e aos contratos jurídicos! o humor não é moléstia em um povo-mulher sem Estado. onde o amor e o ódio são meros afetos, não sentimentos absolutos. onde os vícios não são niilistas. nem se voltam contra si. são meras epifanias. nomos contra polis!

1:40 AM  

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