Sobre pesquisa e outras infâmias

Diário de campo de dois espectadores e um pródigo bucaneiro.

segunda-feira, abril 24, 2006

Arqueologia dos brinquedos.

Sempre que chego do trabalho, tarde da noite, e me tropeço com os brinquedos da Ana Cecília, espalhados pelo chão do apartamento, imagino como deve sentir-se o arqueólogo diante de uma descoberta.
Brinquedos abandonados são como vestígios de civilizações antigas, indícios, pistas, expressões externas de misteriosos desejos internos: duas bonecas deitadas numa toalhinha, um pássaro de pelúcia abraça um dinossauro de pano, ambos da cor verde. Um espelinho, uma pequena escova cor de rosa. A sereia sem cabeça está sentada na carruagem, sem cavalo, da princesa. Tenho pena da ciência que se proponha interpretar estes arranjos.
No século XIX quando a “máquina” era uma metáfora dominante, a sociedade foi comparada ao mecanismo de um relógio. Não era possível entender o relógio olhando as horas. Era preciso abri-lo para conhecer seu funcionamento ... diziam os positivistas. Por esta razão os desejos internos que as pessoas externalizavam não podiam ser tomados como verdadeiros.
Posteriormente, quando o conceito “energia” passou a dominar o imaginário das pessoas e dos cientistas, os elementos “não materiais” da sociedade cobraram importância, então, era necessário conhecer as “motivações subjetivas ou culturais dos atores para entender como funciona a vida em grupo. Os comportamentos observáveis dos atores foram tomados como elementos importantes na composição deste universo subjetivo.
Hoje, nos tempos da “infinita literalidade” virtual, o conceito de sociedade perdeu seu valor heurístico. Existem tantos tipos e recortes de sociedade que o cientista se afasta da armadilha vitrificadora do fluxo de informações e práticas sociais. Estas se comportam como uma rio de lava cobrindo os frágeis conceitos sobre o mundo dos desejos humanos.
Brinquedos abandonados parecem sonhos. Figuras, gêneros e tamanhos diferentes de objetos que se misturam sem hierarquia aparente. A ciência dos ícones, sinais e símbolos fica arrepiada nesta hora.
O que significa aquela ovelinha branca e languida ao lado da Hello Kitti?
Sinceramente, não me interessa saber... Seria como perguntar o que significa aquela nuvem, ou o significado daquela ventania ou do canto do grilo na noite aveludada.
Na presença de certas coisas eu prefiro soltar algumas lágrimas.

Abraços do Eladio e Cinthia.

Imagem:Taller de la luna / Federico Percibal 1988

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Eladio,

que bela sensibilidade, acho que essas experiencias que toquam a alma transcende qualquer entindimento do conhecimento humano.
Beijos

4:32 PM  
Anonymous Anônimo said...

fim do mundo. como vontade. fim do mundo. como representação. a máquina travou. ou será seu software? nem relógios. nem computadores. só padrões. patrões? descobertas. jamais possíveis. projeções? invenções talvez. atifícios. artífice sem arte. criatura sem criador. somente abafamentos. cheiro de rosas em banheiros. abafam cheiro de merda. não quero mais cheirar uma rosa. não neguemos com símbolos letras números o que não conseguimos afirmar em toque sabor ódio amor.

2:20 AM  

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