Voar.
Gostei muito de descobrir, há alguns anos, num livro do psicólogo norte-americano Rollo May, que o contrário do simbólico é o diabólico. A palavra símbolo nasce da junção de duas palavras gregas “syn” e “ballein” que significa “juntar, reunir”. Uma origem próxima tem a palavra diabólico que nasce da junção das duas palavras gregas “dia” + “ballein” que significa “fragmentar, separar, desunir”. O conhecimento desta etimologia permite entender nosso mundo e as estratégias de sobrevivência dos seus sujeitos.
No limiar dos séculos XIX e XX, sociólogos como F. Tönnies, E. Durkheim e M. Weber resolveram, nas suas obras, pensar a respeito das diferenças existentes entre duas formas históricas de organização da vida em grupo.
Estas diferencias deram origens a idéias tais como: comunidade X sociedade, solidariedade mecânica X solidariedade orgânica, encantamento do mundo X racionalidade instrumental.
Em suma, estes sociólogos estavam pensando em sociedades “simbólicas” X sociedades “diabólicas”. Os grupos humanos que se organizam em forma de “communitas” são, pelo menos na aparência, sistemas de interação comandados por forças inexoráveis que orientam e determinam a personalidade dos seus membros e os identifica quase que completamente com a normativa social e cultural. Isto é, grupos humanos poderosamente vinculados aos seus símbolos coletivos.
Na sociedade moderna a autonomia dos indivíduos torna o sistema de interação humana fragmentado, desunido, orientado por um individualismo moral e utilitário: em outras palavras, o domínio do diabólico sobre a vida social.
A vida em grupo, sendo uma invenção humana, carrega os sinais da burrice e da inteligência dos homens e mulheres que a organizaram. Entre os sinais de tolice e lucidez juntas, está a obra autoral. O artista que assina seu trabalho usufrui quase sozinho da “dor e da delícia” de seus erros e acertos. E o consumidor não quer rachar o prejuízo com o autor quando o resultado é ruim. Porém, quando o resultado é bom não pode apropriar-se dele como gostaria, a ponto de sentir-se co-autor do mesmo. A humanidade é sábia, talvez seja melhor assim. Deixemos que cada quem carregue sua cruz.
Entretanto, hoje escutando, Lyle Mays improvisando no disco “We live here” do Pat Metheny Group, fui acometido por uma fome ontológica, um sentimento infame, uma paixão ilegal de sentir que aquelas notas eram, também, minhas, que eu as tinha inventado; que alguma coisa Lyle Mays tinha roubado do tutano dos meus ossos para tocá-las.
Pensei então nos astronautas e a infinita compaixão que eles têm pelas áspides que os esperam em terra firme enquanto sentem a explosão de sentimentos sofisticados e abstratos que somente seres humanos a quilômetros do planeta podem experimentar.
Hoje eu sei que os governos do mundo e seus exércitos, escondem as informações sobre a existência de vida noutros planetas porque, caso contrário, homens e mulheres da terra, seriamos menos diabólicos, nos agrupariamos entorno das nossas melhores realizações. Nos interessaría mostrar aos nossos vizinhos estelares o que de melhor temos na Terra :
Tom Jobim, Omar Kayan, Simón Diaz, Louis Armstrong, Charlie Parker, Frida Kalo, o Louvre de Paris, o Empire State Building, Francis Ponge, Brasília, o Museu do Ouro de Bogotá, as arenas de Paraguaná, o filme Beleza Americana, o Auto da Compadecida, a obra de Simón Rodriguez, os repentes nordestinos, a música récia de los llanos, Lyle Mays, Garcia Marquez, Keith Jarret, Oscar Niemeyer.
Sentiríamos estas obras nossas, da nossa tribo terrestre. Rainer Maria Rilke tinha razão:
“Se eu não consigo voar, alguém o fará. O espírito quer apenas que haja vôo. Quanto a quem voará, isto é secundário”
Abraços do Eladio e Cinthia
PS1: Outros dirão o que de melhor temos na terra é: Ratos de porão, N. Maquiavel, J. Pollock, Rolling Stones, Cazuza, Federico Fellini, Errol Garner, o selo Motawn, Rubén Blades.
Ou, tal vez: Felix Chapotin, Eric Satie, Pablo Neruda, El Salto Angel, Enrrique Buena Ventura,
Ou, porque não: O trabalho voluntário, a Era do Gelo, Manoel de Barros, Egberto Gismonti, Herman Hesse...
PS2: Liss, obrigado pelo disco do Pat...
Coferir:
MAY, R. Minha procura da beleza. Petrópolis: Vozes, 1992
TORAINE, A. "Sociedade e sistema" In: As palavras no tempo DE MASI, D. ; PEPE, D. Rio de Janeiro: José Olympo,2003
JARRET, K. Changes. ECM Records, 1984.
METHENY, P. We live here. 1995.
Imagem: Cavalo / Eladio Oduber 1995
No limiar dos séculos XIX e XX, sociólogos como F. Tönnies, E. Durkheim e M. Weber resolveram, nas suas obras, pensar a respeito das diferenças existentes entre duas formas históricas de organização da vida em grupo.
Estas diferencias deram origens a idéias tais como: comunidade X sociedade, solidariedade mecânica X solidariedade orgânica, encantamento do mundo X racionalidade instrumental.
Em suma, estes sociólogos estavam pensando em sociedades “simbólicas” X sociedades “diabólicas”. Os grupos humanos que se organizam em forma de “communitas” são, pelo menos na aparência, sistemas de interação comandados por forças inexoráveis que orientam e determinam a personalidade dos seus membros e os identifica quase que completamente com a normativa social e cultural. Isto é, grupos humanos poderosamente vinculados aos seus símbolos coletivos.
Na sociedade moderna a autonomia dos indivíduos torna o sistema de interação humana fragmentado, desunido, orientado por um individualismo moral e utilitário: em outras palavras, o domínio do diabólico sobre a vida social.
A vida em grupo, sendo uma invenção humana, carrega os sinais da burrice e da inteligência dos homens e mulheres que a organizaram. Entre os sinais de tolice e lucidez juntas, está a obra autoral. O artista que assina seu trabalho usufrui quase sozinho da “dor e da delícia” de seus erros e acertos. E o consumidor não quer rachar o prejuízo com o autor quando o resultado é ruim. Porém, quando o resultado é bom não pode apropriar-se dele como gostaria, a ponto de sentir-se co-autor do mesmo. A humanidade é sábia, talvez seja melhor assim. Deixemos que cada quem carregue sua cruz.
Entretanto, hoje escutando, Lyle Mays improvisando no disco “We live here” do Pat Metheny Group, fui acometido por uma fome ontológica, um sentimento infame, uma paixão ilegal de sentir que aquelas notas eram, também, minhas, que eu as tinha inventado; que alguma coisa Lyle Mays tinha roubado do tutano dos meus ossos para tocá-las.
Pensei então nos astronautas e a infinita compaixão que eles têm pelas áspides que os esperam em terra firme enquanto sentem a explosão de sentimentos sofisticados e abstratos que somente seres humanos a quilômetros do planeta podem experimentar.
Hoje eu sei que os governos do mundo e seus exércitos, escondem as informações sobre a existência de vida noutros planetas porque, caso contrário, homens e mulheres da terra, seriamos menos diabólicos, nos agrupariamos entorno das nossas melhores realizações. Nos interessaría mostrar aos nossos vizinhos estelares o que de melhor temos na Terra :
Tom Jobim, Omar Kayan, Simón Diaz, Louis Armstrong, Charlie Parker, Frida Kalo, o Louvre de Paris, o Empire State Building, Francis Ponge, Brasília, o Museu do Ouro de Bogotá, as arenas de Paraguaná, o filme Beleza Americana, o Auto da Compadecida, a obra de Simón Rodriguez, os repentes nordestinos, a música récia de los llanos, Lyle Mays, Garcia Marquez, Keith Jarret, Oscar Niemeyer.
Sentiríamos estas obras nossas, da nossa tribo terrestre. Rainer Maria Rilke tinha razão:
“Se eu não consigo voar, alguém o fará. O espírito quer apenas que haja vôo. Quanto a quem voará, isto é secundário”
Abraços do Eladio e Cinthia
PS1: Outros dirão o que de melhor temos na terra é: Ratos de porão, N. Maquiavel, J. Pollock, Rolling Stones, Cazuza, Federico Fellini, Errol Garner, o selo Motawn, Rubén Blades.
Ou, tal vez: Felix Chapotin, Eric Satie, Pablo Neruda, El Salto Angel, Enrrique Buena Ventura,
Ou, porque não: O trabalho voluntário, a Era do Gelo, Manoel de Barros, Egberto Gismonti, Herman Hesse...
PS2: Liss, obrigado pelo disco do Pat...
Coferir:
MAY, R. Minha procura da beleza. Petrópolis: Vozes, 1992
TORAINE, A. "Sociedade e sistema" In: As palavras no tempo DE MASI, D. ; PEPE, D. Rio de Janeiro: José Olympo,2003
JARRET, K. Changes. ECM Records, 1984.
METHENY, P. We live here. 1995.
Imagem: Cavalo / Eladio Oduber 1995
4 Comments:
Eladio e Cinthia,
Lindo texto. obrigado!
saudades...
bruno
Eladio,
Seu texto está otimo como sempre.
A musica do Pat transcende nosas almas quando ouvimos.... e me faz perceber que tudo está no lugar, tudo está como tem que ser.
Viva a vida.
Beijos
Liss
Que coisa bonita...! Tive esse sentimento "simbólico" no último fim de semana passeando pela exposição Por ti América. Aliás, sugiro a quem não viu, que vá ligeiro, com tempo para usufruir daquelas delícias! Aquele sentimento de pertencimento latino-americano, tão presente na década de 70, e agora revivido, felizmente! Acho que as civilizações pré-colombianas e seus artefatos também integrariam aquela lista de coisas em relação às quais nos sentimos co-autores. Um abraço, Graça Monteiro.
símbolos: nascem da infelicidade! civilização = papai noel = democracia = coelhinho da páscoa = terrorismo = fada do dente = cruz = [e=mc²] = copa do mundo = física quântica = incosnciente coletivo = (...) bla bla bla. quem sabe eles, algum dia lhes tragam a felicidade de novo? já o diabólico. nada bucólico. irrompe. nos lembra. nos alerta. nos amaldiçoa. maldição boa aventurada: esperança - uma fase que acabamos superando. depois, que venham as festas!!!
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