Satanás e o café expresso
Conta Rudyard Kipling que quando o Diabo viu por trás das folhagens o primeiro rabisco que Adão fez na terra com um graveto, falou baixinho assim “ É bonito, mas, será que é arte?
Uma pergunta diabólica típica de quem quer botar uma pulga atrás da orelha de muitos que não tem opinião própria. Certamente, o cochicho do Diabo foi escutado pelo primeiro crítico de arte que espalhou a incerteza através dos séculos dando início à árvore genealógica daqueles que formam a opinião de nós, neófitos.
“Experts” há por todos os lados. Brotam que nem erva ruim em todas as esferas do conhecido e do desconhecido. Nos últimos messes, por exemplo, me propus a investigar a arte de fazer um bom café expresso. Muito me apavorei ao descobrir que é quase impossível correr atrás do acúmulo de técnicas, maquinarias e conhecimentos que se precisam para poder fazer um simples e bom cafezinho. Existem cursos e concursos de “baristas”, um conglomerado tecnológico, empresas, grupos de profissionais e empresários que classificam, julgam, avaliam as misturas, em fim... brigam pelo poder material e simbólico no comercio mundial do café.
Existe inclusive, há algum tempo, uma querela internacional do café entre Europa e Estados Unidos que tornou-se evidente a partir do sucesso de uma franchising norte-americana do café chamada “Starbucks” que parece representar o “ethos” do MacDonalds no mundo do café. A tradição européia e seus seguidores no mundo estão indignados com as mudanças introduzidas pela “Starbucks” quanto a misturas, procedimentos, tamanho das taças, marketing etc.
É uma briga de cães famintos pelo monopólio de um pretenso e modelado conhecimento sobre o tingir da água com o pó torrado do pé de “Coffea arabica” de origem africana... Nos bastidores de esse glamour do mundo da culinária existem, para variar, grosseiras vontades de poder.
Moral da história: peguei minha rabeca e fui tocar música a outro lado. Procurei as formas atávicas de fazer café dos povos nômades, agrícolas ou itineirantes. Encontrei em livros, na rede e entre amigos e amigas formas e receitas mágicas, simples e gostosas de fazer café que tem se perpetuado na história oral.
Junto ao meu colega, o filósofo bucaneiro, Leo Pimentel aprendi a moer, mesclar e desfrutar de cafés com cardamomo, canela, gengibre, cravo, noz moscada. Com o sem açúcar em longas tardes de conversa sobre cardápios. Concluímos que o simples ato de aprender a fazer um café envolve também uma postura política e filosófica. Porque te obriga a tomar posições e fazer escolhas éticas e estéticas.
A culinária dos grupos humanos que tem o “viver” como principal “missão” neste mundo, está toda aí, disponível, liberada, para ser praticada e desfrutada. O curso de “barista” que quase fiz numa instituição privada de Brasília ia me custar 600 Reais sem contar a frustração de voltar para casa e não ter as máquinas para fazer o meu cafezinho...
O desfrute intenso do café feito no “ibrik”, no pote ou nas panelas do deserto falconiano da Venezuela, nas tendas Tuareg ou na costa do Salé em Marrocos é apenas uma pequena expressão de que é possível ainda explodir as reservas de mercado que foram sendo semeadas nas nossas almas ou nas almas daqueles que gostam de escutar os cochichos do Diabo .
Abraços do Eladio
PS: Querida Liss Mary , mil vezes obrigado pelas suas receitas de pão e café que você arrancou das vozes dos seus antepassados mouriscos, espanhóis, orientais.
Querida Lenise, obrigado sempre por colocar seu extraordinário talento culinário e artístico a serviço dos nossos caprichos.
Conferir: MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 30
Imagem: Ibrik / Eladio Oduber. Fev. 2007
Uma pergunta diabólica típica de quem quer botar uma pulga atrás da orelha de muitos que não tem opinião própria. Certamente, o cochicho do Diabo foi escutado pelo primeiro crítico de arte que espalhou a incerteza através dos séculos dando início à árvore genealógica daqueles que formam a opinião de nós, neófitos.
“Experts” há por todos os lados. Brotam que nem erva ruim em todas as esferas do conhecido e do desconhecido. Nos últimos messes, por exemplo, me propus a investigar a arte de fazer um bom café expresso. Muito me apavorei ao descobrir que é quase impossível correr atrás do acúmulo de técnicas, maquinarias e conhecimentos que se precisam para poder fazer um simples e bom cafezinho. Existem cursos e concursos de “baristas”, um conglomerado tecnológico, empresas, grupos de profissionais e empresários que classificam, julgam, avaliam as misturas, em fim... brigam pelo poder material e simbólico no comercio mundial do café.
Existe inclusive, há algum tempo, uma querela internacional do café entre Europa e Estados Unidos que tornou-se evidente a partir do sucesso de uma franchising norte-americana do café chamada “Starbucks” que parece representar o “ethos” do MacDonalds no mundo do café. A tradição européia e seus seguidores no mundo estão indignados com as mudanças introduzidas pela “Starbucks” quanto a misturas, procedimentos, tamanho das taças, marketing etc.
É uma briga de cães famintos pelo monopólio de um pretenso e modelado conhecimento sobre o tingir da água com o pó torrado do pé de “Coffea arabica” de origem africana... Nos bastidores de esse glamour do mundo da culinária existem, para variar, grosseiras vontades de poder.
Moral da história: peguei minha rabeca e fui tocar música a outro lado. Procurei as formas atávicas de fazer café dos povos nômades, agrícolas ou itineirantes. Encontrei em livros, na rede e entre amigos e amigas formas e receitas mágicas, simples e gostosas de fazer café que tem se perpetuado na história oral.
Junto ao meu colega, o filósofo bucaneiro, Leo Pimentel aprendi a moer, mesclar e desfrutar de cafés com cardamomo, canela, gengibre, cravo, noz moscada. Com o sem açúcar em longas tardes de conversa sobre cardápios. Concluímos que o simples ato de aprender a fazer um café envolve também uma postura política e filosófica. Porque te obriga a tomar posições e fazer escolhas éticas e estéticas.
A culinária dos grupos humanos que tem o “viver” como principal “missão” neste mundo, está toda aí, disponível, liberada, para ser praticada e desfrutada. O curso de “barista” que quase fiz numa instituição privada de Brasília ia me custar 600 Reais sem contar a frustração de voltar para casa e não ter as máquinas para fazer o meu cafezinho...
O desfrute intenso do café feito no “ibrik”, no pote ou nas panelas do deserto falconiano da Venezuela, nas tendas Tuareg ou na costa do Salé em Marrocos é apenas uma pequena expressão de que é possível ainda explodir as reservas de mercado que foram sendo semeadas nas nossas almas ou nas almas daqueles que gostam de escutar os cochichos do Diabo .
Abraços do Eladio
PS: Querida Liss Mary , mil vezes obrigado pelas suas receitas de pão e café que você arrancou das vozes dos seus antepassados mouriscos, espanhóis, orientais.
Querida Lenise, obrigado sempre por colocar seu extraordinário talento culinário e artístico a serviço dos nossos caprichos.
Conferir: MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 30
Imagem: Ibrik / Eladio Oduber. Fev. 2007
6 Comments:
Fazia tempo que não freqüentava este cibercafé e fui apanhado assim, de surpresa, pelo irresistível título envolvendo o Demo e o expresso. Delicioso como um café bem passado em cuador de pano lá na roça da minha avó, o texto do Eládio revela a essência do inconformado e por isso rebelde sociólogo, que extrai da pausa do cafezinho boas razões para pensar - "por que o mundo funciona assim?". Não precisa nem apelar para a leitura da borra. Obrigado, Eládio.
Recién neste ano passado descobrí (ao final dos meus primeiros 40 anos), a magia do café, cafezote, cafezinho, e suas variantes e momentos.
Justo no ano en que o blog começa a tocar el tema.
Me pregunto si esta fidelidad extrema al cafezinho no nos gusta tanto por ser eso mismo: una fidelidad.
Alguno ( Nietzsche?)dijo que el exceso de crítica deja al descubierto la debilidad de la modernidad.
Deixemos entonces que a imagen desejada do próximo café compartido com o amigo baixo o efeto das brumas das costas Marroquíes lá de longe façan seu trabalho...
tou pensando nesse Wolk, obrigado d e novo
Querido Eladio,
somos nomades em nossas almas, sempre estamos procurando algo que nos de prazer, seja nas receitas de cafés ou nas de pão. Apesar da busca, vejo que manter tradições de nossos antepassados nos da uma direção, de quem somos e onde colocamos nossas raizes. Meu maior prazer é poder repetir as receitas de minha vó e meu avô, que diziam, " não se deixe levar por bobagens, o segredo da boa comida, está no tempero,que é,o amor, carinho, dedicação e significado que se da ao executar uma simples receita"
Obrigada Eladio por ser amigo tão dedicado em tudo que você faz.
Muito bom esse texto!
Quem tem a prerrogativa de dizer o que é arte? Quem elegeu o avaliador do café? do vinho? da pintura? do disco? do filme? No caso do mundo dos vinhos tem acontecido o mesmo movimento que você descreve com o café. Os americanos fazem vinhos mais "populares" otimizando a produção e ao mesmo tempo a revista dos especialistas, que faz a avaliação dos vinhos, também é americana. Tudo bem...nada contra um produto popular que chegue com um bom preço (uma pausa "starbucks"no meio da correria da metrópole até que é legal) mas deixe minha vó fazer seu café mineiro no fogão de lenha, minha comadre fazer o dela com amêndoas (maravilhoso!) e o produtor europeu de poucas e preciosas garrafinhas de vinho, continuarem na deles! Difícil é aceitar que o cara que vende seja o mesmo que julga o que é bom. Minhas papilas, olfato, coração e mente é que decidem o que eu quero por pra dentro de mim. Isso serve p/ o teatro, literatura, comida e gente.
Eladio, Cintia e Cecília já entraram faz tempo, passaram no crivo.
Beijo com carinho
Tina
É por isso, caro mestre, que eu faço café como me ensinou minha vó, quando quero um gostoso e saboroso café: coloco água para esquentar, quando está quase para ferver, coloco o pó, e depois passo no saco de pano. Não sei porque, mas pra mim é a forma mais deliciosa de fazer o melhor café. Deve ser a tradição.
Na Índia, apesar dos ingleses com suas máquinas, as melhores roupas saem dos teares domésticos.
No Brasil, a melhor feijoada tem de ser feita em panela de barro.
E por aí vai. Creio ser quase uma questão genética, quase espiritual, mas, simplesmente tradição, que se transforma em um total ritual.
abs,
David
Bom dia, queridos amigos. Tudo bem?
Mil perdões, mas, para mim, a existência de bares com máquinas de expresso (diabólicas?!) são cruciais para definir o ingresso das cidades na civilização. Para minha alegria, até algumas pequenas urbes do sertão baiano já oferecem esse conforto, de que posso desfrutar nas pequenas viagens que empreendo aqui pela região.
Aqui em Conquista, meu livreiro preferido, não por acaso um paulista das arábias, comprou uma dessas maravilhas da indústria italiana e, assim (satanicamente?!), aumentou seu poder de sedução comercial quando por lá passo em demanda de sua mercadoria. Saboreio, enfim, a rubiácea na companhia de meus autores favoritos (uns até nem tão favoritos assim...).
Fico por aqui.
Paulo Cezar
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